A rádio poste me salvou
Não lembro que idade eu tinha – cinco ou seis anos -, mas a experiência foi traumática, inesquecível. Com a
Não lembro que idade eu tinha – cinco ou seis anos -, mas a experiência foi traumática, inesquecível. Com a minha irmã, dois anos mais velha, me perdi na praia ao sair do mar. Era uma manhã de domingo de areia lotada e muito calor em Tramandaí que, naquela época – década de 60 – era o xodó dos gaúchos durante o veraneio, a Capital das Praias.
Saímos da água e por algum motivo nossos pais não estavam nos esperando, o que era praxe. Diante da ausência, o desespero tomou conta de nós que tínhamos vindo da colônia – Arroio do Meio tinha 3 ou 4 mil habitantes – para curtir o verão. Aos prantos, saímos a caminhar feito baratas tontas em busca de algum rosto conhecido para nos socorrer, sem sucesso.
Caminhamos em círculos, de mãos dadas, por muito tempo, sob um sol escaldante. Não sabíamos o que era maior: o medo ou a sede causada. Cansados, sem qualquer esperança de encontrar a família, ficamos paralisados à beira do mar. Só havia forças para chorar.
De repente, não sei de onde, surgiu um senhor grisalho, de boné, com 70 e poucos anos. Ele se agachou e começou a conversar.
– O que aconteceu com vocês? Estão perdidos? – indagou com voz mansa depois de oferecer um refrigerante gelado que foi sorvido num só gole.
Entre soluços fiz um relato do nosso drama, seguido de diversas perguntas feitas por ele.
– Vocês tinham guarda-sol? Que cor era? Tinha um bar por perto? Vocês estão numa casa ou apartamento? – entre outras indagações.
A partir de algumas informações ele nos levou para as proximidades do antigo Restaurante Panorâmico, ponto de atração pela arquitetura arredondada, uma novidade naquela época.
Nosso protetor foi conversar com outro homem, também de idade avançada, chapéu de palha. Poucos minutos depois, ouvimos nossos nomes reverberando na “rádio poste”.
Era sistema de som muito simples, comandado pelo lendário Dario Krás Borges. Consistia numa casinha de madeira com mesa, toca-discos e um microfone. Os alto-falantes, fixados em postes ao longo da praia, irradiavam o som.
Em menos de 15 minutos meu pai surgiu no meio da multidão, seguido pela minha mãe. Ambos com os olhos inchados do choro, juntamente com meus avós. Os rostos familiares devolveram a tranquilidade do veraneio, não sem antes recebermos uma advertência pela distração à beira mar. A “rádio poste do seu Dario” – como entrou para a história de Tramandaí– salvara mais uma dupla de crianças perdidas. Por décadas, o bronzeado dos gaúchos teve a trilha sonora dos sucessos que rodaram num surrado toca-discos velho. Com músicas mescladas por oferta de fotógrafos amadores, de aluguel de casas e quartos e até anúncios de dentaduras encontradas na areia. Além, é claro de crianças distraídas perdidas ao longo da praia…
Crônica foi publicado em 06 de fevereiro de 2015 no blog http://gilbertojasper.blogspot.com/