Empatia precisa de prática

Nasci numa cidade – Arroio do Meio, no Vale do Taquari – onde a enchente é parte da minha infância.

Nasci numa cidade – Arroio do Meio, no Vale do Taquari – onde a enchente é parte da minha infância. Meu saudoso pai costumava colocar a mulher e os dois filhos num Fusca branco depois do almoço para visitar os locais atingidos pelas cheias.

Ao chegar aos lugares ele explicava didaticamente sobre os afluentes, os arroios, a água que descia do rio das Antas e da Serra gaúcha até chegar no Taquari. “Basta chover dois dias ou duas noites com força na cabeceira do rio que tudo fica debaixo d’água”, repetia.

Minha mãe reunia as amigas para angariar donativos para a população ribeirinha, no bairro Praia. Íamos ao encontro dos flagelados, muitas vezes em suas casas. Era uma visão dolorosa com muito barro, esgoto, animais mortos, sujeira e um fedor insuportável. 

Assim que o sol brilhava, aquela gente passava os dias de mangueira, baldes, enxadas e vassouras em punho para recomeçar. Ao longo do ano economizavam para repor a modesta mobília, os poucos eletrodomésticos e os estofados baratos para ter um mínimo de conforto.

É uma rotina que presencio há 60 anos, mas ainda mexe comigo. Desavisados ou quem jamais assistiu “ao vivo” estes dramas simplifica a situação. Sugere coisas como “que se mudem para outro lugar”, mas não é tão simples. Há um misto de teimosia, sim, mas tem falta de seriedade de agentes públicos descompromissados para investir em habitação popular e infraestrutura.

O conformismo e a necessidade de sobreviver impedem a revolta de quem perde tudo. Menos a dignidade e a força de vontade para recomeçar. A enchente da semana passada varreu centenas de residências do mapa, ceifou vidas, causou prejuízos incalculáveis e reiterou a incompetência de muitos administradores que deveriam providenciar soluções. 

É inadmissível que em pleno século 21 não se adote tecnologias para gerar solução. Não podemos continuar sendo espectadores de uma tragédia reincidente. Em algum lugar existem projetos a serem adaptados para minimizar a dor desta gente sofrida. 

Enquanto estas calamidades continuarem acontecendo será difícil recostar a cabeça no travesseiro à noite. A empatia e o comprometimento social, mais do que nunca, precisam ser exercidos.