Pelo “amor de Deus”

Multidão defronte ao prédio da Receita Federal. Entregar o Imposto de Renda, decididamente não, gente que mal tem dinheiro para

Multidão defronte ao prédio da Receita Federal. Entregar o Imposto de Renda, decididamente não, gente que mal tem dinheiro para comer. Ah…o quê? CPF! 

Um senhor mais esclarecido explica: “CPF é o documento que precisa ser regularizado para retirar o dinheiro na Caixa”. Toda aquela gente está em espaço exíguo, espremida, apertada, em busca da sobrevivência. Observa-se que não há fila, desorganizadas as pessoas estão aglomeradas. Não há como obedecer a distância de 1 metro, entre um indivíduo e outro, conforme recomendação das autoridades sanitárias, em função do coronavírus. Um fulano, responsável pelo setor pede encarecidamente que todos obedeçam a distância regulamentar. Não há reação em acolhimento ao pedido. Em meio da confusão, acontecem situações fisiológicas: gente que tosse, outros suam, aqueloutros parecem febris. E a máscara protetora? Ninguém a possui. Uma voz fraca, um resmungo balbuciante, se consegue ouvir: “pouco importa, morrer por causa do vírus ou, morrer de fome”. Quem sabe, esse indivíduo poderá fazer parte da estatística daqueles cinco mil brasileiros que anualmente morrem de fome. Toda aquela gente prossegue na desdita, rebelde e obstinada, pedindo pelo amor de Deus para que seja logo atendida. Há ofensas, insultos, alaridos contra as autoridades, pessoas irritadas, de pouca paciência. Toda essa quizumba formada para conseguir os 600 reais, a primeira parcela do auxílio emergencial oferecido pela Caixa. Assim, até mesmo de forma temerária e sofrida, todos tem pressa, ânsia de ser logo atendido. Nem todos conseguem regularizar o tal do CPF. Até ai, quem almejou seu primeiro objetivo vai continuar seu périplo em segunda etapa em mais uma trajetória absurda e abominável. Quem conseguiu, depois de ter ultrapassadas as dificuldades iniciais, maltratadas pelo tempo de espera, pela insolência de barnabés, pela burocracia do sistema, finalmente estão na segunda etapa. Após desgastante espera, dependentes encontram-se defronte da agência da famigerada Caixa. Ali, bem ou mal, uma fila indiana é organizada, porém uma vez mais o bom senso é desobedecido: não é respeitado o espaço recomendado para se evitar o contágio da moléstia. Observam-se mais uma vez cenas patéticas e de humilhação, pessoas fatigadas, sem alimentação, após horas e horas na espera de alcançar dinheiro, algumas enfrentando o desabrigo, o relento da madrugada. Sentem-se bafejados pela sorte aqueles que chegam até ali, depois de penosa sina, enfim a satisfação para algo conseguido. Porém não para todos. Na verificação de documentos algo está errado, desconforme com os trâmites burocráticos. Assim, para aqueles desventurados, começar tudo de novo, retornar a dolorosa peregrinação em busca da esmola do governo. Esse contexto demonstra a desigualdade social no país. A condição de que não é igual, resultado principalmente pela divisão de renda. O Brasil é o sétimo país no mundo com mais desigualdade social. Profundamente lamentável.

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O governo federal calculou que seriam 5 milhões de brasileiros a serem atendidos com o auxílio emergencial. Errou. O auxílio já está estendido a 20 milhões de pessoas. Conta rápida: 20 menos 5, resultado 15 milhões, o que trata-se de uma população desconhecida, invisível, fora de estatísticas.