A imagem que não apagará

No dia 11 de maio, a Suzana, minha irmã, escreveu: “Ontem, as saracuras cantaram. Hoje, barulheira de aranquãs. Ventos fortes

No dia 11 de maio, a Suzana, minha irmã, escreveu:

“Ontem, as saracuras cantaram. Hoje, barulheira de aranquãs. Ventos fortes na madrugada. E o Cleo Kuhn, finalmente, diz que vai chover!”

Escrevo esta crônica no dia 12 de maio, terça-feira. Chove! Haverá música mais doce para o verde? É um pitéu para a grama. Uma bênção para as árvores. É uma delícia acordar ao som orquestrado da chuva. O dia está amanhecendo.

Faz um ano que o Loreno, nosso pai, partiu. Foi num domingo, no Dia das Mães, em 12.05.2019. Logo após o almoço, ele foi dormir e não acordou mais. Deixou-nos conversando a sós e comendo pinhões na grande mesa de madeira da velha casa de pedra.

Talvez seja ele, do além, mandando a chuva.

A vó Odila, num dia desses, perguntou à Mariana (5), minha filha, se ela lembrava do nono:
– Lembro da barriga grande, dos cabelos brancos e do chapéu. – Respondeu a Mariana.
Estas lembranças valem a eternidade. Valem uma chuva inteira molhando a seca.

Nos últimos tempos, ele costumava ficar sentado num pequeno sofá da casa velha. Esperava o almoço:
– Véia, os ponteiros estão um em cima do outro!

Lá ia ele, com o seu vinho, para a ponta da mesa. Pessoas assim, extraordinárias e simples, fazem falta e deixam um vazio de estradas, frutas e outras quimeras indizíveis.

É esta a imagem que carrego do Loreno: há lugar para todos. A mesa sempre estava lotada. Meu pai não cozinhava absolutamente nada, mas nunca faltava um macarrão, uma moranga caramelada, um churrasco e um radicci para quem quer que chegasse. Todos eram sempre bem-vindos. Por isso ele partiu logo após o almoço. E nos deixou, à mesa, comendo pinhões e tomando um copo de vinho …

E, agora, esta chuva! É um presente de quem continua vivo nas roças de alfafa que já não existem, nas uvas e nos pêssegos de folhas caídas, nas bergamoteiras, nos abacateiros, … Sempre haverá uma fruta e uma terra para colher com a mão. Esta é a imagem que não apagará jamais.

Não faltarão o sagu e o pudim para a sobremesa.