Raul Randon
Eu tive a honra de entrevistá-lo

O encontro profissional ficou marcado pelas afirmações carregadas de ensinamentos.
A profissão de jornalista tem inúmeros fatores que me permitem classificá-la como apaixonante. Um deles é a oportunidade de conhecer pessoas admiráveis, seja pelo histórico de vida ou simplesmente por uma ação que as tornem diferentes das demais.
Ao longo destes anos de carreira, conheci muita gente inspiradora, que me deu conselhos que fariam parte das matérias a serem escritas, mas que também marcariam minha lembrança e meu aprendizado. Raul Anselmo Randon foi um deles.
Em 2009 tive a oportunidade de entrevistá-lo. Fui recebida com simplicidade, com o aperto de uma mão que acompanhava o tamanho do homem que ele era! Os olhos, por trás das lentes dos óculos, mostravam-se atentos e tinham um quê de sorriso – talvez pelo prazer em compartilhar o que aprendia com a vida, conduzida sempre com muita determinação e trabalho.
Conversamos e fiquei muito à vontade diante daquele senhor gentil, bilionário e que expressava suas ideias de forma simples e eficaz.
Contou-me sobre o início de suas empresas, sem esquecer de mencionar o avô Luigi, imigrante italiano vindo de Cornedo, na província de Vicenza, em 1888, e o pai Abramo, ferreiro que projetou seu nome pela qualidade dos artigos que produzia na oficina dos fundos de sua casa.
Lembrou-se também que da trajetória de sucesso faziam parte capítulos tristes como o incêndio que destruiu a oficina mecânica que havia aberto ao lado do irmão Hercílio, em 1950. Contou com orgulho sobre como entrou no ramo de caminhões, em 1953. Aceitamos uma ideia de fazer freios para reboque. Reforçamos os freios das carretas que eram usadas no transporte de madeira. A partir do freio nascia a história da Randon, comentou.
Dividiu comigo um pouco da fórmula do seu bem-sucedido empreendedorismo, conceito que acabou ficando gravado em minha mente. Disse-me o senhor Randon: não tenho muito estudo, mas sempre procurei me cercar das pessoas certas. Não sei fazer? Me cerco de quem sabe.
Nesta semana, lendo conteúdo produzido pela assessoria de imprensa sobre o empresário e seu legado, encontrei familiaridade nas afirmações lidas, tais como esta: A característica gerencial de Raul Anselmo Randon foi sempre a de cercar-se de profissionais competentes, tecnicamente bem preparados nas diversas áreas do conhecimento, dando-lhes autonomia operacional e compartilhando com eles os benefícios do sucesso moral, social e financeiro.
E que sucesso! Falar sobre o bem-sucedido perfil corporativo do conglomerado das empresas Randon é abusar do pleonasmo.
Neste momento, basta-nos ressaltar a ligação das empresas com a nossa Farroupilha. A Fras-le, por exemplo, produtora de lonas e pastilhas de freio, conta com um grande número de colaboradores farroupilhenses. O campo de provas, com 18 tipos diferentes de pistas para testes que auxiliam as demandas de desenvolvimento e lançamento de produtos da indústria automobilística está localizado na linha Palmeiro, em Farroupilha também.
Ainda por aqui, os benefícios dos Programas Florescer, no qual estão crianças de sete a 14 anos (filhos de funcionários das empresas e crianças da comunidade) que recebem gratuitamente reforço escolar, língua inglesa, informática, educação corporal, canto-coral, aulas de música, teatro, culinária e dança. Tudo no turno inverso ao escolar.
O Programa Florescer e o Programa Qualificar, idealizados e mantidos pelas empresas Randon, atestam a responsabilidade social que sempre se fez presente na vida do empresário. Sobre eles, o senhor Randon afirmou em nossa conversa: Eu sinto muito orgulho com estes projetos. É um sentimento de pai. Faço isso porque acredito que felicidade é querer o bem de todos.
Por sua dedicação no âmbito social, Raul Randon foi o primeiro empreendedor brasileiro a receber, no ano passado, na Itália, o título de Doutor da Universidade de Pádua, um prêmio – Doutor Honorem em Ingegneria Gestionale.Ao longo de sua história, a Universidade apontou apenas outro brasileiro, o escritor Jorge Amado, em 1996.
Maçãs, queijos e vinhos
Naquele ano já brilhava o orgulho por ter se lançado ao plantio das macieiras e à produção de queijo, com a empresa RAR Rasip, localizada em Vacaria. Movido por sua característica empreendedora e por sua paixão pela terra a empresa tornou-se a terceira maior produtora de maçãs no Brasil. Nos anos 90 foi montada a primeira fábrica de queijo Tipo Grana da América Latina, lançando a marca Gran Formaggio.
A RAR Rasip conta, atualmente, com linha importada de queijos, azeites, acetos e cárneos. Além de linha própria de derivados, com creme de leite, manteiga e o Parmesão RAR. Naqueles campos de cima da serra uvas viníferas foram plantadas para a produção de vinho e espumantes RAR, uma linha que soma 11 rótulos.
Raul Randon tinha um toque de Midas. O sucesso profissional, no entanto, não mudou a forma como ele se relacionava com as pessoas, era dedicado à família – os filhos David, Roseli, Alexandre, Maurien e Daniel; os netos Audrey, Isabelle, Arthur, Victor, Isadora, Marina, Raul Alberto, Laura, Maria Eduarda, Marco Antonio; a bisneta Maria Vitória e a esposa Nilva D’Agostini Randon, com quem se casou em 1956.
Naquela tarde de 2009, saí da empresa dele admirando-o ainda mais pela inteligência, pela proximidade, pela preocupação com o próximo, pelo respeito em tratar-me de igual para igual, ainda que estivesse em um patamar habitado por poucos em nosso país.
No último domingo, quando recebi a notícia de sua morte, aos 88 anos, voltei no tempo, relembrando o contato profissional que tivemos. Lamentei a perda do grande homem catarinense, mas caxiense de coração, como ele mesmo dizia.
Parte o homem que começou como ajudante de ferreiro e entrou para a lista de bilionários da revista Forbes Brasil, fazendo o que aprendeu com seus pais: trabalhar e trabalhar.