A esperança que possibilita o recomeço
Outubro é o mês em que saímos às ruas e vemos, em diversos lugares, o laço rosa que simboliza
a luta contra o câncer de mama. Quem venceu a doença, comemora a vida, como Daiane e Isaira

Especial
Para as mulheres que enfrentaram o câncer de mama a palavra vitória tem um significado especial. Cada pessoa tira da doença a lição necessária para seu crescimento. Em comum, um novo modo de enxergar a vida e tudo o que acontece nela.
Isaira Terezinha de Matos, 47 anos
O autoexame no banho a fez detectar um nódulo no seio esquerdo. Da dúvida ao diagnóstico, quase duas semanas.
Isaira estava com 45 anos, em um emprego novo e havia seis meses que havia perdido o pai com câncer de próstata. Não acreditava que aquilo estava acontecendo com ela, mas juntou forças e enfrentou a doença. Recebi o diagnóstico em 28 de agosto de 2013. Fui buscar o resultado da biópsia e me mandaram direto para o consultório do médico. Eu pressentia, mas ouvi-lo dizer que eu estava com câncer e precisava de uma cirurgia urgente fez meu mundo desabar. Chorei muito, ali na frente dele e foi ele quem me encorajou, recorda Isaira.
A data era também o aniversário de seu único filho, Anderson, que completava 24 anos e a esperava em casa para o jantar de comemoração, junto à esposa Katiussa. Eu não queria estragar a noite com uma notícia daquela. Não havia dito que eu ia buscar o resultado da biópsia, então eles pensaram que estava simplesmente atrasada, conta.
As recordações do que viveu há apenas dois anos a levam de volta às escadas da entrada do shopping Omar Valentini, onde se sentou, amparada por uma amiga, e deu vazão à angústia que sentia. Saí do consultório sem enxergar onde pisava. Chorava muito quando encontrei uma amiga que me levou para casa dela. Fomos juntas para minha casa e eu vivi aquela noite sem contar nada a minha família.
A riqueza dos detalhes do dia em que o diagnóstico foi recebido é um fato também percebido em outras pessoas que passam pelo mesmo susto. Elas relatam as ações e simultaneamente os sentimentos de ausência, uma parada no tempo, como se recebessem uma sentença de morte.
Apesar do momento difícil, os números mostram que as mulheres estão mais conscientes da importância da realização dos exames preventivos. Só no primeiro semestre deste ano, foram realizadas, em todo o país pelo Sistema Público de Saúde, 1 milhão e 800 mil mamografias, segundo dados do Instituto Brasileiro de Combate ao Câncer – IBCC.
Quanto mais cedo a descoberta, maiores as chances de cura e menor a intensidade do tratamento.
Isaira fez a cirurgia para a retirada de um quadrante e de 14 linfonódulos do seio esquerdo. Passou por 16 sessões de Quimioterapia e dois meses de Radioterapia. Quatorze dias depois da primeira quimio vi meu travesseiro cheio de cabelo. Passei a mão e eles caíam com a maior facilidade. Foi angustiante demais! Raspei a cabeça. Tinha que enfrentar a realidade. Cheguei a comprar lenços, mas me sentia melhor com boné ou chapéus, diz Isaira.
Finalizadas as sessões de Quimio, era a vez da Radioterapia. Passei dois meses no apartamento do Boessio, lá em Porto Alegre. Ele acolhe pessoas que precisam de lugar para a realização do tratamento, faz questão de mencionar.
Foi neste período que Isaira, depois de 24 anos divorciada, encontrou um novo amor: Antônio. Era ele quem auxiliava os hóspedes do endereço de Boessio. Levava ao hospital, acompanhava nos trajetos para o tratamento, ensinava a andar pela capital. Da amizade ao namoro. Do tormento à vida nova.
Eu que já perdi muita gente para esta doença, saí dela mais forte e decidida a me dedicar a um trabalho voluntário para auxiliar idosos e crianças com câncer. Sei que Deus me fez passar por esta prova para ser um exemplo de força para os outros. Nasceu em mim um amor pelas pessoas muito maior do que aquele que sentia antes. Sou outra mulher hoje, sintetiza a apaixonada Isaira.
Daiane Zaffonato, 33 anos
Eu sentia meu braço direito muito cansado e achava que estava com tendinite por causa do trabalho. Não dei importância e com o tempo notei um nódulo na lateral do seio. O ginecologista da época, há dois anos, me disse que era apenas uma glândula inflamada, mas eu não me senti satisfeita e quis saber mais, revela a bancária Daiane Zaffonato.
Na ocasião estava com apenas 31 anos, a um passo de conseguir a promoção almejada e foi surpreendida pelo câncer em quatro gânglios axilares. Acho que minha alma foi avisada antes porque eu sentia que algo ia acontecer comigo, mas não sabia o que era. Dois meses antes de descobrir a doença eu andava muito preocupada, com sensações estranhas e quando houve a suspeita, eu sentia que era aquele o motivo da minha angústia desconhecida, entrega a moça.
Da descoberta à cirurgia foram apenas cinco dias. Quando o médico falou que eu estava com câncer, fiquei alguns segundos fora do ar. Comecei a chorar e não escutava mais o que ele dizia. Apenas falei que não havia nascido com aquilo e queria que fosse retirado imediatamente! A morte passou pela minha cabeça e eu estava cheia de planos para vida., resume Daiane.
Assim que descobriu, pelos exames pré-operatórios, que tinha uma saúde excelente, acalmou-se e tomou fôlego para a luta que travaria. No dia da cirurgia entreguei uma lista com meus objetivos ao médico e disse a ele: me cure porque eu tenho tudo isso para fazer.
Natural de Flores da Cunha, filha única, Daiane contou com o apoio da família e dos amigos. Muito vaidosa, como assume, tratou logo de comprar vários acessórios para o visual que a doença lhe obrigaria a assumir. Usei muitos lenços e fazia questão de me manter bonita porque queria que as pessoas vissem em mim um exemplo de vitória! Depois da retirada de um quadrante com esvaziamento axilar, passei por 16 sessões de Quimioterapia, que eram muito cansativas. Mas eu não desanimava, comenta.
A última Radioterapia foi comemorada. Comprei uma bela moscatel e fiz uma comemoração em casa. Pensei: voltei!.
Um ano afastada do trabalho, quando voltou assumiu o cargo que queria em uma agência bancária em Farroupilha. Retomei a minha vida com um sentimento de libertação porque antes da doença eu enchia o meu copo com tristeza, insatisfação, frustração. Tenho certeza de que precisei passar por tudo aquilo para expurgar maus hábitos. Hoje, sou grata porque recebi o que eu precisava para conseguir viver de forma melhor, analisa.
Ela deixa um conselho a todas as mulheres. Prestem atenção em si mesmas e naquilo que sentem. Não se vejam só por fora, fiquem atentas aos sinais e para isso só precisamos usar nossa percepção.
Aos 33 anos, ela cumpre aquela lista de objetivos que foi entregue ao médico que a acompanhou.
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Isaira e Daiane tomam remédios como parte do tratamento e farão acompanhamento por alguns anos. Duas mulheres que se descobriram mais fortes passando pelo duro enfrentamento de uma doença temida como o câncer. São exemplos do pensamento de Friedrich Nietzsche: Aquilo que não me mata só me fortalece. Por causa disso, estão, neste momento de suas vidas, ainda mais felizes que antes e no sorriso de cada uma delas a celebração da vitória conquistada.
Para elas, a vida é rosa como este outubro.
