Farroupilhense vive nas paisagens geladas de Ushuaia

Conhecido na comunidade, o designer Adriano Nichetti, filho do seu Luiz e da dona Elenita, está há seis meses vivendo em Ushuaia, um lugar diferente, onde o frio é presente o ano todo. Se volta? Nem ele sabe a resposta…

Conhecido na comunidade, o designer Adriano Nichetti, filho do seu Luiz e da dona Elenita, está há seis meses vivendo em Ushuaia, um lugar diferente, onde o frio é presente o ano todo. Se volta? Nem ele sabe a resposta…

“Lugar incrível, com pessoas empáticas, que te recebem de braços abertos”

JF – Há quanto tempo está em Ushuaia? Onde fica?
AN –
Estou em Ushuaia faz seis meses. O que era para ser apenas uma breve visita de aproximadamente 30 dias acabou se tornando em uma estadia permanente até o momento.

Ushuaia é uma cidade que fica na província (estado) da Terra do Fogo, ponto mais austral da Argentina, e que até pouco tempo era considerada a cidade mais austral do mundo. Atualmente quem ocupa essa posição é a recém-emancipada Puerto Williams, localizada nos Andes chilenos. Como curiosidade, a Terra do Fogo é a única província argentina que fica “atrás” da Cordilheira dos Andes, o que lhe confere características únicas de relevo, clima e vegetação.

JF – O que estava fazendo aqui em Farroupilha quando decidiu mudar?
AN –
Estagnado, apenas trabalhando. No último trimestre de 2023 resolvi voltar para Florianópolis, lugar onde vivi por quatro anos, mas desta vez como voluntário em um hostel, produzindo fotos e vídeos para a anfitriã, em troca de moradia, café e roupa lavada (glorifica). Neste período conheci uma amiga de SP, que me convidou para visitar a praia do Guarujá, onde vivi por um tempo. Depois voltei a Floripa, para passar o carnaval no mesmo hostel, porém desta vez como hóspede. Esse vai e vem, viagens, novas conexões, foi o propulsor para encarar novas experiências.

JF -Por que este lugar e por que sair da cidade?
AN
– Amo Farroupilha, mas considero uma cidade pequena, provinciana, onde você acaba se “acostumando” com uma vida mais pacata, tradicional. Aí, ou tu “tem” ou tu “é”. Tá, não há mal algum nisso, mas é algo que sempre me gerou incômodo.

A vinda para cá aconteceu através de uma amizade construída ainda em Florianópolis, com um amigo que atua no setor turístico patagônico. Tentamos desenvolver um projeto juntos em 2022 dentro da área, mas não vingou. A amizade permaneceu e em seguida ele foi convidado a se instalar em Ushuaia. Eu fiquei por um ano em Farroupilha, quando em fevereiro deste ano surgiu o convite por parte dele, para vir para o Fim do Mundo conhecer a cidade. Ele tinha um quarto vago durante as férias de um colega em seu apartamento e a ideia era ficar por 30 dias.

JF – O que faz por aí? Trabalha? Está sozinho?
AN – O colega que morava com meu amigo por aqui resolveu ficar em definitivo no Brasil. Assim, fui convidado a ficar na cidade o tempo que quisesse, sem gastos com moradia, o que considero o principal fator em ter conseguido permanecer, afinal é uma cidade turística e com aluguéis nada atrativos.

Trabalho home office para uma empresa de Palhoça há alguns anos, outro fator que me possibilita estar onde eu queira, desde que tenha condições financeiras para isso, lógico.

Fiquei por alguns meses morando com este amigo e, em razão do cenário econômico argentino, tivemos que sair de onde morávamos porque o aluguel dobrou de valor após seis meses de contrato. Atualmente moro numa república, próximo ao centro da cidade. Estou aqui sozinho, mas com um monte de amizades já estabelecidas.

JF – Quanto tempo pretende ficar?
AN –
Não tenho uma data específica. Após seis meses, e por ter chegado aqui e sido recebido por alguém que já conhecia, pude expandir minha rede social e fazer novos amigos e contatos. Agora é que estou sendo reconhecido pelo meu trabalho de criação de conteúdo e estou em tratativas para eventuais trabalhos por aqui. E é esse fator, o trabalho local, que vai determinar se fico mais tempo ou não por aqui. Como sou designer e venho desenvolvendo conteúdos no audiovisual, e gosto muito da área de turismo, aqui é uma terra com muitas oportunidades nestes campos.

Estou aguardando ansiosamente o verão para poder explorar muito mais os arredores e montanhas de Ushuaia. Tenho ideias de projetos relacionados às atividades outdoor e aqui é um prato cheio para desenvolvê-los.

“Todos que chegam querem presenciar a neve”

JF – Como é a vida aí? Levou seu chimarrão ou hábitos daqui?
AN –
Cheguei no final do verão, onde os dias são largos. Amanhecia às quatro e meia e anoitecia lá pelas 21 horas, ou seja, dá para aproveitar muito o dia. Já no inverno, até achei que não me adaptaria ao fato de que os dias ficam extremamente curtos, amanhecendo às 10 da manhã e anoitecendo às 16h30, 17 horas. Neste período, parece que entramos num modo “hibernar”, onde o corpo parece responder ao fato de que as coisas são mais lentas e escuras nesse período. Contudo, o setor turístico ferve nessa época, onde todos que chegam querem presenciar a neve.

Não trouxe o chima, mas aqui o Mate, o chimarrão argentino, é quase que um objeto de adoração, um ritual, um momento indispensável. Onde é possível, o povo fueguino está com o mate em mãos. Tomo de vez em quando. Nunca foi uma bebida preferida para mim.

Eu literalmente estou aberto a mergulhar nos costumes locais e do país. Eu sou a visita, portanto, nada melhor do que eu aceitar, me adaptar e curtir os hábitos e costumes locais.

JF – Além das paisagens, geladas, o que está marcando seus dias? O que tem aprendido com esta viagem?
AN – O que realmente me pega aqui são as paisagens. Já tinha lido e visto imagens sobre Ushuaia, mas geralmente as coisas mais tradicionais, como o pórtico, os pinguins, a baía e algumas montanhas, contudo, não imaginava que era uma cidade relativamente grande e com uma paisagem surreal. Como gosto de fazer trilhas, aqui tem sido meu playground.

É a primeira vez que saio do país e vim parar já no Fim do Mundo. Aqui é um lugar incrível, com pessoas empáticas, que te recebem de braços abertos, sem sequer saberem quem tu é ou o que tu faz. Só sabem de onde tu é porque o portunhol denuncia.

Aqui tenho aprendido a língua, de modo totalmente imersivo acredito que o maior aprendizado está no fato de lidar com as pessoas, com o desconhecido, em apreciar o momento e entender que a vida não é uma corrida, algo que sempre esteve presente na minha cabeça, e que eu estava competindo com os outros.
Viver num local onde o frio é presente o ano inteiro, no início me causou certo temor, pois sou do time “verão”, mas diferente da serra gaúcha, aqui é seco, as roupas secam num dia, as casas e estabelecimentos comerciais têm estrutura de aquecimento a gás e o ritmo é desacelerado, o que torna tudo mais agradável.

Projetos relacionados às atividades outdoor, prato cheio

JF -O que é preciso ter e fazer para viver novas experiências?
AN – Olha, não nasci em berço de ouro e muitas escolhas que fiz ao longo da vida não me permitiram viver uma vida cheia de luxos e oportunidades. Então, romantizar isso de que “viajar de forma nômade é lindo” é uma falácia. Nem tudo são rosas e as redes sociais estão aí para corroborar tudo isso, visto que nos condicionamos a publicar somente a metade cheia do copo.

Também tenho que reconhecer que hoje em dia, apenas o fator econômico seria um impeditivo de continuar a viajar, porque de resto, não tenho esposa e filhos, não tenho patrimônio físico para ter que estar presente (e talvez nem venha a ter), então tudo isso acaba dando aval para que eu possa decidir quando e onde quero estar. Mas sim, creio que seja necessário um pacote de qualidades(?) para fazer algo assim: desapego, desprendimento, se sujeitar a intempéries do cotidiano, abrir mãos de regalias, saber conviver em grupos, entender que a privacidade às vezes será restrita, lidar com a saudade e ausência dos teus queridos e saber que haverá os dias cinzas, assim como o inverno daqui que nos convida a nos recolher, refletir e recalcular rotas.

“Achei que não ia me adaptar ao inverno daqui”

JF- Do que tem mais saudade daqui?
AN – Da família e dos amigos, claro. Dos dias quentes, não vou negar…de poder sair na rua de bermuda e chinelo, sentindo a brisa (quente) no rosto. De ir para praia, se reunir com os amigos e brindar a amizade e por estar vivo. Mas são sentimentos que colidem com o fato de que me considero um “espírito livre”, e que quero vivenciar ainda algumas coisas do jeito que estou vivenciando. Até quando? Não sei. Talvez um dia eu volte para casa, viaje de novo, ou talvez simplesmente ache o meu lugar no mundo e por ali fique. Não sei.

De imediato, única certeza que tenho é que em dezembro deste ano estou programando outra viagem, próxima daqui e que também não imaginaria ter a oportunidade de fazê-la. Para isso vou rifar minha bicicleta aí (rsrsrs) para adquirir um novo equipamento. Conto com a participação de todos. De resto, só o tempo dirá.

REPORTAGEM:

Claudia Iembo

claudia@ofarroupilha.com.br