Um lugar de recomeço

Na Comunidade Terapêutica Desafio Jovem Gideões, unidade de Farroupilha, homens, de 18 a 60 anos, buscam vencer a dependência química

Nove meses são necessários para se formar um ser. Este é o tempo de gestação no ventre materno, assim como a duração das etapas para os dependentes químicos dentro da Comunidade Terapêutica Desafio Jovem Gideões.
A unidade de Farroupilha, localizada na linha São João, existe há 24 anos e atualmente abriga 26 homens, entre 18 e 60 anos, os chamados acolhidos. São pessoas que em algum momento da vida se afundaram nas drogas e pela decisão da busca de ajuda, chegaram até a comunidade Gideões. Estão lá porque escolheram estar, é a adesão voluntária. Quem persiste, define um novo rumo para si mesmo.
“Esta adesão voluntária é o que nos diferencia de uma clínica. As etapas aqui são: adaptação, conscientização e reinserção. Existe um cronograma diário de atividades para que os acolhidos voltem a ter regras, pois um dependente químico perde o sentido de compromisso”, explica Valdecir Antonio Nunes, o coordenador da unidade.
Isso quer dizer que quem está por lá participa das atividades práticas inclusivas, entre elas o cuidado com a estufa de tomates, onde aprendem a lidar o fruto, somando conhecimentos que mais tarde, quando estiverem de volta à sociedade, podem ser aproveitados. “Os tomates, por exemplo, atendem as necessidades da casa e são vendidos em estabelecimentos comerciais e para pessoas físicas”, esclarece o monitor Vanderlei Nunes.
Quem está na última etapa, faz parte da cooperativa criada para prestar serviços à sociedade – a Cooperança, que gera recursos para as 18 comunidades terapêuticas do Estado – ainda pode trabalhar fora, o que facilita a reinserção social.
“Coincidentemente” atestando a informação, enquanto estávamos por lá, chegou o senhor Raul Chielle trazendo em seu caminhão os homens que havia levado para trabalharem na colheita de uvas em sua propriedade. “Quem está fora tem o pensamento de que as pessoas daqui não são corretas, mas não é verdade. Me surpreendi muito de forma positiva”, afirma o senhor.
Esta chance dada a quem procura reabilitação é fundamental, pois faz parte da cura destas pessoas carentes de votos de confiança, já que pelo vício – combatido pela vontade própria, já que estão em uma comunidade terapêutica – tornam-se desamparados pelas famílias e pela sociedade.

FOTO: Cândida Photo Art

Mais confiança
A espiritualidade, diferente de religião, faz parte do processo de tratamento nas comunidades terapêuticas para dependentes químicos, o que contribui para o tão almejado equilíbrio. Quem participa da vida dos acolhidos acaba por enxergar além do que se vê, como aconteceu com o fotógrafo Valfredo de Cesaro e a esposa Cândida, da Cândida Photo Art, e Alfeu Balbinot e Marisa. “Passar a visitar a comunidade muda a visão porque Cristo nos diz que somos iguais, então como eu posso olhar para o outro e me sentir diferente?”, indaga Valfredo, mostrando o grau do envolvimento, que transcende a ajuda material.
Falando em ajuda material, a comunidade dos Gideões oferece vagas pelo governo federal e é mantida pela solidariedade, inclusive de ex-residentes, e pelas contribuições de algumas famílias, que visitam, uma vez por mês, parentes acolhidos por lá. Mas nem todos recebem visitas, pois nem todas famílias se interessam, segundo a coordenação.
A estrutura é formada por cozinha, refeitório, escritório, sala de vídeo, salão multiuso, almoxarifado e quatro alojamentos com 10 lugares cada um, homens de diferentes idades buscam a paz roubada pela dependência química. Ajudam uns aos outros, motivados em histórias de fé como a do próprio Valdecir, quem coordena a comunidade, um recuperado também.
“Eu tinha trabalho, esposa, uma vida. Comecei a usar drogas e perdi tudo, acabei nas ruas de Caxias do Sul. Pedi ajuda e me levaram para a unidade de São Sebastião do Caí, onde me recuperei. Sou a prova de que há esperança”, conta o homem que refez a vida a lado da esposa Vanessa, com quem tem as filhas Ana Clara, seis anos e Isadora, dois anos.
Alguns recuperados que passaram pelo desafio Jovem Gideões ainda alimentam os vínculos com o lugar. “Muitos homens saíram daqui e hoje têm suas famílias, estão recuperados, inseridos de volta à sociedade e ainda mantêm vínculos conosco, sendo colaboradores”, acrescenta Valdecir.
Laços que se criam e resistem ao tempo, assim como a força de vontade por uma vida digna, livre das drogas.
Enquanto a pausa do mundo se faz necessária aos acolhidos da comunidade terapêutica Desafio Jovem Gideões, quem está de fora pode contribuir com alimentos para o corpo e ações para a alma, doando não apenas mantimentos, mas tempo, atenção e oportunidades… de crescimento, de aprendizado.
Nos Gideões, as construções físicas que tomam emprestada a cor do céu abrigam vidas nas quais predominam a força das atitudes e os tons da esperança, tão necessários ao recomeço.
Eles deram o primeiro passo. Do lado de cá, o primeiro passo pode ser o combate aos temores e preconceitos, afinal todos somos carentes de salvação, de uma forma ou de outra.

Valdecir Nunes, o coordenador da Comunidade Terapêutica Desafio Jovem Gideões (à esquerda), e o senhor Raul Chielle, que leva os acolhidos para a colheita da uva em sua propriedade. FOTO: Cândida Photo Art

Para mais informações, entre em contato com o Valdecir pelos números de telefone:

(54) 3259-1264 ou 99650-8807

REPORTAGEM: Claudia Iembo

O cuidado com a lugar, dentro e fora das instalações. FOTO: Cândida Photo Art