Asteroide B 612

Ao ler para a minha filha Mariana (05) os primeiros capítulos d’O Pequeno Príncipe’ percebi algo surreal. A criança, embora

Ao ler para a minha filha Mariana (05) os primeiros capítulos d’O Pequeno Príncipe’ percebi algo surreal. A criança, embora príncipe, não tem pai nem mãe. Por isso a literatura é fantástica. O principezinho mora num pequeno planeta, asteroide B 612, visto uma vez ao telescópio, em 1909, por um astrônomo turco. Isso é tudo. Não tem casa. Não tem plantação. Não tem nada. Felizmente a vida é mais complexa. Eu não gostaria de viver condenado ao isolamento eterno no B 612.

Isso me empurra àquele pai que, na vida de seus filhos, não honrou a condição de genitor. Abandonou, de nunca mais ver, os três pequenos. Apesar dele, os filhos cresceram. Ele envelheceu como qualquer ser vivo – alguns antes, outros depois. Ficou muito doente, completamente incapaz de cuidar de si próprio. Leu no art. 229 da Constituição Federal que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Pergunto: a consanguinidade, por si só, justifica a imposição de amparar o genitor na velhice?

Se o pai, no passado, preferiu abandonar os filhos pequenos a lhe dar afeto e carinho, tem o direito, agora que está incapacitado, de exigir deles alimentos? Ele semeou desdouro, descaso e indignidade. Qual a colheita da semeadura?

Ser pai e mãe é ter apreço, ternura, afeição e dedicação. Não importa a consanguinidade. O conceito de filho vai muito além dos laços de sangue. Quem semeia abóboras, não colherá abacaxis das sementes jogadas na terra. Colherá – se as cultivar bem – abóboras.

A noção de família vai muito além das células sexuais. Não basta um espermatozoide e um óvulo para ser pai ou mãe. Não basta uma carga genética para ser filho. A dignidade, a decência, o respeito, o afeto e o carinho estão numa outra dimensão. Por isso é preciso que todos adotem e sejam adotados. Essa roça de oliveiras produz o melhor azeite do mundo.

E, se os filhos não têm a obrigação de sustentar ao pai desnaturado, a quem caberá o pacote? A todos nós, sociedade? Ou seria melhor deixá-lo abandonado na sarjeta da sua própria existência?