Me esqueci de viver

O livro de Gênesis relata que Jubal foi o ancestral dos homens que tocavam harpa e flauta. Baseado nisso, nós,

O livro de Gênesis relata que Jubal foi o ancestral dos homens que tocavam harpa e flauta. Baseado nisso, nós, cristãos, acreditamos que o descendente de Caim foi o primeiro músico da história. Graças a ele, dificilmente passamos um dia sem música. E algumas marcam momentos.

Eu era criança, no Irapuá, interior de Caçapava do Sul, e estava brincando com carrinhos atrás da caixa d’água alta da casa dos meus pais quando a Rádio Cachoeira deu a nota de falecimento do meu tio Dilton Brum Lago no meio da programação e tocou “Aquela nuvem”, de Gilliard: “Aquela nuvem que passa, lá em cima sou eu. Aquele barco que vai, mar afora sou eu. Aquela folha que vaga, pelas ruas sou eu, buscando você…”. Ainda hoje, quando a ouço, me emociono.

Quando eu tinha 20 anos e cursava Administração na UFSM, em Santa Maria, ouvi “20 e poucos anos”, de Fábio Júnior: “Nem por você, nem por ninguém. Eu me desfaço dos meus planos. Quero saber bem mais que os meus 20 e poucos anos”. A canção virou meu lema pra vida inteira.

Aos 21, em BH, após terminar o período de adaptação no Atlético, precisava decidir sobre meu destino: fico ou retorno para casa? E tomando uma vitamina de abacate numa lanchonete perto da Vila Olímpica, escutei “Que será”, de Altemar Dutra, vindo de um carro de som: “Eu vou partir, mas sei que volto um dia. Pra ver de novo a terra onde nasci. Pisar o mesmo chão onde brinquei, quando criança. Eu vou partir mas sei que volto um dia. Que será, que será, que será. Que será de minha vida eu não sei”. Ainda hoje, quando coloco o vinil pra tocar, me emociono.

A primeira música que cantei e toquei ao violão para minha namorada Marta – que anos depois viria a ser minha esposa – foi “Menina”, de Paulo Nogueira: “Menina que um dia conheci criança, me aparece assim de repente, linda, virou mulher”. Anos depois, a pedido de meu sogro Araci, cantei “Porque Ele vive” em seu velório: “Porque Ele vive, posso crer no amanhã. Porque Ele vive, temor não há. Mas eu bem sei, eu sei, que a minha vida está nas mãos de meu Jesus, que vivo está”.

Há outras músicas que marcaram a minha vida (e sei que a sua também) que não cabem nesse texto. Porém, se daqui alguns anos alguém me perguntar “qual música retrata o momento de isolamento social que você viveu em 2020”, já tenho a resposta na ponta da língua: “Me esqueci de viver”, de Julio Iglesias.