Buen Camino!
A maior rota cristã do mundo continua sua missão de ensinar o essencial aos peregrinos. Desta vez, quem aprendeu com ela foi o farroupilhense Gilberto Galafassi
O Caminho de Santiago de Compostela é comparado à própria vida. Subidas, descidas, sol, chuva, pedras, imensidão. Percorrer seus 800 quilômetros, por um passo de cada vez, é ter a oportunidade de vivenciar o mais especial dos encontros, o encontro consigo mesmo. Quem vai não volta o mesmo. Uma destas pessoas corajosas, o farroupilhense Gilberto Galafassi, compartilha conosco o que experimentou nos 34 dias em que esteve por lá, no norte da Espanha.
Fui conversar com Galafassi na casa dele, no escritório cercado por livros, muitos sobre o caminho, que conheceu por um Globo Repórter que a esposa Márcia havia gravado para ele. Foi o marco inicial de um sonho que levou 20 anos para ser realizado, com muita informação, preparo e planejamento.
Começou o caminho no dia 12 de maio e chegou à Catedral de Santiago de Compostela no dia 14 de junho. Saiu de casa no dia 10 de maio e retornou dia 20 de junho. Nove quilos mais magro e com uma perspectiva de vida totalmente diferente da que possuía quando iniciou a viagem. Modificado por dentro e por fora.
A clareza das mudanças interiores experimentadas foi conquistada ao longo das 211 horas de caminhada. Um milhão de passos, sozinho, carregando apenas o necessário em sua mochila e parando nos albergues coletivos para as refeições e descanso. Por lá é tudo tecnicamente muito bem sinalizado. Os sinais estão por toda parte, inclusive naqueles deixados pelos peregrinos. A estrutura de suporte é completa. Eu tinha a preocupação de que o corpo não respondesse ao desafio, mas é mágico como responde. Tinha medo de ter um problema físico, mas era a cabeça que tinha isso, não o corpo. Percorrer um caminho tão longo é 90% cabeça e 10% corpo, diz Galafassi.
As caminhadas aconteciam pelas manhãs, das 7h às 14h, quando parava e aproveitava para desfrutar do que também fazia parte da viagem: novos conhecidos, gente do mundo inteiro, com suas histórias de vida, unidos pelo mesmo objetivo. Cada um sabe o que vai buscar no Caminho de Santiago de Compostela e por lá a gente aprende o desapego, carregando o essencial nas costas, e aprende também a confiar um no outro, conta, exemplificando com a foto dos bastões e dos sapatos em um canto do albergue.
Falando nos bastões, pedi para vê-los e Galafassi emocionou-se aos pegá-los nas mãos novamente. O que se passou naquele momento, o que sentiu, a emoção deu mais resposta que as palavras.
Toda esta questão de fé, de ver gente caminhando com um propósito é muito familiar ao administrador que nasceu na Busa, margeado pelos caminhos de Caravaggio, trajeto que ele e a família já percorreram. Por aqui, a estrada leva o nome do seu pai: Luiz Victorio Galafassi, o Gigion.
Caminhos de Caravaggio
Segundo ele, não teve como escapar das lembranças que o acometeram repassando a vida nos passos que dava. Chorou, cantou, refletiu, rezou. Voltou à infância, pensou no presente. Podemos experimentar algo semelhante aqui, perto de nós, nos Caminhos de Caravaggio, com seus 200 quilômetros que podem ser feitos em sete dias! A lógica é a mesma e por isso temos que dar muita força a este projeto que, independente de governo, é feito para as pessoas, para mudar a vida delas e por isso merece a contribuição de cada um de nós. O agradecimento virá pelo próprio caminho e pelas pessoas que o percorrerão, opina.
Galafassi voltou da Espanha trazendo informações que podem ser aproveitadas por aqui e está em contato com os principais responsáveis pela nossa rota de fé.
O importante acaba saltando aos olhos de forma natural: o encontro consigo mesmo pelas reflexões proporcionadas pela caminhada, emoldurada por belos cenários, pode acontecer sem que tenhamos que carimbar o passaporte. Carimbo só por aqui mesmo, como prova de que passamos pelo local. Breve poderemos vivenciar a experiência, se assim o desejarmos. Lá o caminho recebe a beleza das papoulas, por aqui temos nossas hortênsias. Cores que tingem o trajeto, dependendo da época do ano.
O céu fala com você, foi uma das frases marcantes de Galafassi sobre a peregrinação. No silêncio da caminhada, certamente é possível ouvi-lo. Acontece em Santiago de Compostela, acontece em Caravaggio.
O primeiro roteiro de turismo religioso da serra gaúcha, em uma parceria entre Farroupilha, Caxias do Sul, Nova Petrópolis, Gramado e Canela, vai ligar os santuários de Farroupilha e Canela por meio da peregrinação entre as cinco cidades. A previsão de inauguração é no primeiro trimestre de 2019.
Pelas trilhas repletas de atrativos típicos do interior, como as diversas igrejas, taipas, porões de pedra, pontes de ferro, vastas plantações e paisagens ricas de história e cultura, a espiritualidade também poderá ser vivenciada de forma intensa.
No tempo certo
Santiago de Compostela era um sonho alimentado por 20 anos na vida de Galafassi. Um objetivo conquistado no momento ideal da vida. Procurei fazer no tempo certo, respeitando meus compromissos profissionais, minha família. Tive uma pausa nos negócios, mas acredito que ainda vou contribuir muito com minha experiência de trabalho. Tenho muito a fazer e a viagem me proporcionou ainda mais conhecimento, analisa, deixando claro que quer voltar ao desafiador mundo corporativo.
Percorreu o caminho dividindo paisagens e experiências nas redes sociais. Eu estava lá também pelas pessoas que vibravam por mim e mostrava a conquista justamente para elas. Nunca fiquei tanto tempo longe da minha família, mas estávamos conectados, afirma.
A filha Catarina, que estava na casa no dia do bate-papo, confirmou a integração da família durante a viagem do pai.
Esta integração com a esposa Márcia e as filhas Patrícia e Catarina sempre foi alimentada por Galafassi, que em 2016 lançou-se ao universo do Motor Home com o consciente intuito de sair do casulo, experimentando ao lado delas as perspectivas diferentes de vida.
Ele que já fez incontáveis viagens profissionais para diversos lugares do mundo – e que o preencheram de um jeito, segundo ele – retornou às raízes lá no norte da Espanha, na Galícia, onde foram encontrados os restos mortais do apóstolo de Jesus, Tiago (onde está localizada a Catedral de Santiago de Compostela).
Para 2019 o plano de fazer o caminho novamente ao lado da esposa Márcia, desta vez partindo de Portugal – já que fez partindo do sul da França, Saint Jean P. de Port. Nestes 20 anos que levei para fazer o caminho de Santiago de Compostela, pratiquei saúde. Agora continuo caminhando todos os dias para não perder o pique, diz.
Voltou da viagem sentindo-se diferente. Eu ficava bravo muitas vezes e agora estou de bem comigo mesmo. Entendi que não quero entrar em conflitos que não preciso entrar. Quando você se entende com você mesmo, fica muito mais fácil entender os outros. Deixei minha pedra no Morro do Perdão, confessa, mencionando um dos lugares mais marcantes da viagem, ao lado de Cruz de Ferro, tradicional local onde o peregrino deixa a pedra levada de casa ou de alguma parte do caminho.
Pelas fotos, nota-se que o semblante de Galafassi ao chegar na Catedral de Santiago de Compostela, depois de 34 dias, não era o mesmo daquele ao iniciar a jornada. O mergulho para o seu mundo interior, os desafios físicos enfrentados, as pessoas que conheceu, as informações adquiridas, enfim, toda a vivência gerou transformações e vai continuar gerando.
Chegar ao destino não foi o fim, mas o começo. O caminho é na verdade a linha da vida. Andando, pensamos no que passou para projetar o futuro, já que o que passou não se modifica. Ao mudarmos e agirmos diferente no presente, colhemos frutos no futuro, conclui o peregrino.
Em sua casa, Galafassi fez um espaço do peregrino, com os certificados e as lembranças que trouxe consigo. Símbolos como a vieira e a cruz de Santiago de Compostela preenchem não apenas as paredes, mas certamente a alma do farroupilhense que buscou e encontrou mais de si mesmo.
REPORTAGEM:
CLAUDIA IEMBO
claudia@ofarroupilha.com.br