“Eles não têm competência para sair da crise”
Em passagem por Farroupilha, o cientista político, advogado e jornalista Murillo Aragão analisa o cenário atual da política brasileira

Roberto Ferrari
Especial
Difícil não recorrer a Murillo Aragão quando é preciso falar sobre a política nacional. Ele, que é cientista político, advogado e jornalista, esteve na redação do Jornal O Farroupilha na segunda-feira (9), acompanhado do ex-deputado federal Wilson Cignachi. Murillo é articulista dos jornais O Estado de São Paulo e O Globo e também debatedor do Programa Globo News Painel. Em entrevista exclusiva, fez apontamentos sobre a instabilidade do cenário político brasileiro e as crises ética e econômica.
OF: A política brasileira se vê emaranhada em vários escândalos, sendo que, atualmente, eles são frutos da Operação Lava a Jato. A palavra impeachment também também está em alta, tanto relacionada para a presidente Dilma (PT), quanto para o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB). Existe legitimidade nesses processos? Como avalia a situação?
MA: Antes de chegar à uma resposta é preciso questionar: por que o sistema político brasileiro produz tantos escândalos? Ora, eles são inúmeros. O Petrolão não é o primeiro, nem o último. Zelotes, Mensalão Mineiro, Mensalão do PT… São apenas alguns. O sistema político brasileiro é indutor da criminalidade, pois o nosso capitalismo funciona numa aliança entre estado, políticos, partidos e sistema financeiro estatal, que alimentam uma roda da fortuna. O político intermedeia obras, o governo as contrata e financia e, no fim, os mesmos ganham. Isso foi sempre assim. O PT simplesmente ampliou o sistema porque o Brasil passou a ter mais dinheiro nos últimos doze anos – e eles não souberam se manter dentro da postura ética que sempre pregaram.
Agora, o que acontece é que há dois problemas: uma crise ética e uma crise política. A crise ética é a desconfiança de que o governo e seus agentes tenham praticado malfeitos, como diz a presidente Dilma. Essa suspeita embaça a governabilidade e o brilho do governo. Já a crise política existe porque, desde o seu primeiro dia, o governo Dilma nunca construiu uma base política funcional. Como a presidente não gosta da política, ela nunca adotou uma fórmula política de governar. Ela ruiu. O PT ficou hipertrofiado dentro do governo em detrimento dos aliados. Assim, se estabeleceu uma relação de desconfiança que não permite viabilizar o presidencialismo de coalizão. Logo, as vertentes que pressionam o impeachment vêm da crise ética e da crise politica. Para piorar, tem ainda a crise econômica. Quando ela não existia, terminava servindo de anestesia para os outros problemas. Agora, quando aparece, ela ressalta os problemas, aumenta a dor. Ela é a falta de anestesia do cenário. E aí, quando um governo que deveria se viabilizar pelo presidencialismo de coalizão e não consegue, o impeachment aparece como solução.
Existe uma característica semiparlamentarista no nosso modelo de governo, que equivaleria aos problemas de um parlamentarista: quando ele perde a maioria, ele cai. Nosso governo não tem maioria. E, se não tem maioria, ele não vai governar. Logo, se não vai governar, ele tem que cair. O impeachment aparece nesse contexto.
Já no caso do Eduardo Cunha, o que existe é um problema do próprio, que se comprometeu com um discurso, uma narrativa que não se sustenta. Ele está caminhando pra se tornar inviável como presidente da Câmara. O que se discute é quando ele vai sair, se vai ser agora, se vai ser depois. E Cunha também está criando uma narrativa para esticar a presença dele lá.
OF: Qual as consequências na economia com tantas incertezas no âmbito político?
MA: A economia é feita de confiança. Se ninguém tem confiança no governo, no ajuste que precisa ser feito e na continuidade do dólar volátil, os empresários adiam os investimentos. E hoje, mais do que nunca, o que a gente precisa é de dinheiro do empresário, porque o dinheiro do governo não funcionou. O governo não conseguiu, apesar de todo dinheiro que jogou nos últimos cinco anos, animar a economia, que vem parando nos últimos três anos, pelo menos. Precisa-se que o empresário invista o seu dinheiro, mas não há ambiente de confiança para tanto.
OF: É possível que o atual governo não termine seu ciclo? Isto é, existe a possibilidade da gestão de Dilma Rousseff terminar antes de dezembro de 2018?
MA: Eu tenho dúvidas se o governo vai conseguir completar o seu ciclo de quatro anos, pois existe uma outra crise gerencial muito grave: o governo é muito incompetente. Ele passou um ano, desde que foi reeleito sem construir uma alternativa ao problema econômico do país. A situação só piorou e o governo não deu uma resposta consistente. Eles não tem competência para sair da crise, apenas ensaiam competências.
Por exemplo, eles colocaram o Levy como ministro da Fazenda, mas não dão o poder para que ele faça o ajuste necessário. Depois colocaram o Michel Temer para fazer a articulação política, mas não deram poder para ele fazer a coordenação política efetivamente. Agora, fizeram uma reforma ministerial. Foram lá no Picciani, líder do PMDB na Câmara, e negociaram dois ministérios para deputados. Porém, o bloco do Picciani que tinha 140 deputados caiu pra 60. Rachou. Ou seja, metade dos envolvidos não gostou do acerto. Além do mais, o Picciani não manda nesses 60, manda em apenas 20. Que reforma é essa? Foi mal feita.
O PT tem um problema sério em relação ao ajuste. Eles querem uma outra fórmula, só que esta não funciona mais, não tem dinheiro para isso. O PT tinha que assumir o ajuste para que daqui dois anos, voltasse a estabilidade econômica. Mas, como eles já demoraram um ano para fazer – e não vai ser no ano que vem que vão fazer, salvo parcialmente.
OF: E o PMDB, que mesmo estando na base aliada, com vice-presidência e ministérios, muitas vezes entra em atrito com o governo petista no Congresso? Existe um real objetivo por trás desses conflitos?
MA: O PMDB sempre recebeu cargos, mas não recebeu poder. Recebeu ministérios, mas não manda neles efetivamente. Ora, o governo, para funcionar, precisa ter uma fórmula unindo o alto e o baixo clero do partido. Você distribui os cargos e paga as verbas orçamentárias. Se isso é bem feito, o governo tem o apoio no Congresso. Se é mal feito, ele não tem. Como foi mal feito, o PMDB que já era dividido, se dividiu ainda mais. Hoje, parte do PMDB está abertamente a favor do impeachment da presidente Dilma, outra parte não tem certeza e outra é contra. Não vejo o Michel Temer fazendo uma conspiração para o impeachment, mas também não o vejo despreparado para assumir a presidência. Ele não vai empurrar o governo para o precipício.
OF: Como vê o cenário político para os próximos anos? A Rede terá algum papel novo? Lula é, ainda, o principal nome do PT para 2018?
MA: O Lula, se não virar ficha suja, é candidato, sem dúvida. Mas não creio que isso vá acontecer, até porque não há tempo hábil para isso; precisaria ser julgado e condenado em duas instâncias. Porém, ele é candidato com muito desgaste. E pior que o desgaste dele, é o desgaste da sua narrativa: a narrativa da ética, de um governo moral, não existe mais; a narrativa de um governo social, não existe mais, pois o desemprego beira os 10%; a narrativa de um governo eficiente, não existe mais, o governo é explicitamente ineficiente. O Lula perdeu a narrativa, o que abre espaço para novas narrativas, mesmo que eu não veja a oposição construindo uma. O PSDB não possui uma consistente: ele se aproveita do fracasso do PT para crescer como alternativa, mas não criou a sua própria narrativa. Tanto que o grande herói do PSDB é o Fernando Henrique Cardoso. Se ele tivesse 10 anos a menos, seria o candidato a presidente.
Não sei se a Rede vai ter um grande impacto nas próximas eleições, ainda mais pela forma como a Marina foi desconstruída na última; não sei se tem musculatura política para ser uma alternativa. Agora que eu vejo é algo diferente. O PMDB e o PSB devem ter candidatos próprios. O Ciro Gomes também é candidato. Vamos ter uma eleição parecida com a do Collor, quando se tinha muitos nomes potencialmente fortes. Não uma eleição de dois ou três e, sim, de seis.
OF: No início da semana, grupos de caminhoneiros protestaram em diferentes pontos do País pedindo a renúncia de Dilma. Qual é o impacto de movimentos sociais como este nas ações do governo?
MA: Acredito que as manifestações tendem a ter uma espécie de vida própria ou serem submetidas ao acaso. Começam pequenas e aí, de repente um fato gera grande comoção (como uma morte de manifestante, etc.). Mas, se for analisar as manifestações de junho de 2013, elas começaram de uma maneira trivial. Um grupo de estudantes contra o aumento da passagem. Mas, em dado momento, a repressão policial foi tão violenta que gerou-se uma indignação da sociedade. O porém é que nesse contexto nasceu um movimento com várias agendas, Fora Renan, Fora Dilma, contra a PEC 37 – que ninguém sabia o que era, a favor da reforma política… As revoluções começam por muitas coisas, é verdade, mas só acontecem, de fato, por uma. Ela precisa culminar numa coisa só – mas, neste caso, nunca viraram.
OF: A pluraridade de agendas as enfraqueceram?
MA: Isso. E o que também afetou as manifestações foi que elas foram tomadas por badernas e por um tipo de questionamento que a maioria das pessoas não queria fazer. A sociedade não queria a destruição do prédio público ou incendiar um carro de polícia. O que poderia ter se tornado uma Primavera Árabe, virou em nada. E eu não acredito que essas manifestações periódicas tenham poder transformador imediato, mas elas têm a médio prazo.
OF: Por fim, executivo e legislativo, quem está cumprindo melhor o seu papel atualmente?
MA: Nenhum dos dois. Se alguém está cumprindo melhor o seu papel é o poder judiciário. O que nós temos que fazer hoje, a nível de legislativo e executivo, é estabelecer a credibilidade econômica do País. E para isso é preciso cortar despesas e gastos, não aprovar pauta-bomba e não tratar de reajuste salarial. É preciso ter a coragem de dizer não tenho dinheiro, como o governador Sartori está fazendo. As pessoas passaram 40 anos no Rio Grande do Sul enganando todo mundo, o que é insustentável. Um estado do potencial do RS viver quebrado, com dívida, é inadmissível. O RS poderia ser uma potência tão grande quanto São Paulo. É preciso um governo eficiente, competente e não dominado pelas corporações de funcionários públicos. O governo tem que ser feito para a população. Isso é um problema sério do RS e também do Brasil. E é isso que deverá ser discutido pelas próximas gerações.