Que pena, Cidade Maravilhosa!

Silvestre Silva Santos * Conheci o Rio de Janeiro em 1985. No Sul, era inverno. Deixamos o Aeroporto Internacional Salgado

Silvestre Silva Santos *

Conheci o Rio de Janeiro em 1985. No Sul, era inverno. Deixamos o Aeroporto Internacional Salgado Filho com temperatura de 11 graus. O vôo da Varig era um “Corujão” que saia de Porto Alegre às 23h e chegava no Galeão depois da meia noite. Lá, 31 graus. Chegamos tirando os casacos, blusões de lã e sedentos por algo gelado. E assim foi feito, após uma carona em carro de luxo que nos fez transpor a ponte Rio-Niterói e nos deixou em um hotel da praia de Icaraí, no outro lado da Baía da Guanabara.

Ao amanhecer, uma visão deslumbrante. Simplesmente maravilhosa, aos olhos de um guri que colheu fumo e “catófi” nos barrancos de Cerro Branco, onde andava descalço e lugar em que aprendeu a juntar as primeiras letras do alfabeto. Da janela do hotel era possível ver a luta insana entre gaivotas e pescadores. Os homens tentando evitar que elas, as aves, fizessem uma farta refeição com os peixes que eles traziam de alto mar, fruto da atividade exaustiva empreendida na madrugada.

Do outro lado da Baía da Guanabara, emoldurado pelo azul do mar e pela maior travessia já construída sobre águas, no Brasil, estava – e ainda está lá! – um dos cartões postais mais conhecido de todo planeta: o Cristo Redentor. Depois de uma manhã de palestras, e do almoço, fomos turistar. Obviamente que o primeiro destino foi o morro do Cristo, de onde acabei trazendo como única recordação um prato de cerâmica que estampava a minha imagem, quebrado meses, ou anos, mais tarde, durante uma crise de fúria. Que não vem ao caso.

Rio-Niterói e Niterói-Rio, para o segundo dia, explorando a gigantesca ponte e as balsas que faziam a travessia por água, de gente e carro. Palestras e tarde para o turismo, passando pelo Sambódromo e zona portuária com destino ao Pão de Açúcar, com pit-stop para almoço no Morro da Urca, levados pelos bondes suspensos por cabos que – a mim – , não metiam medo algum! Morro, aliás, de onde se via, e certamente ainda se vê, os aviões decolando do Aeroporto Santos Dumont em direção ao restaurante, fazendo em seguida curva à esquerda, em direção ao alto mar…

Confesso, tenho saudades. Foram dias de aprendizado, muitos contatos com colegas de outros estados, e passeios por lugares dos quais só tinha ouvido falar e visto por fotos, tal qual Zeca Pagodinho com o seu caviar.

Já se passaram 40 anos, desde então. Em que pese o imenso desejo de um dia retornar ao Rio de Janeiro, acho que não o farei. É que o receio que tenho, provocado pelas notícias acerca da violência que permeia ruas, praias, morros, favelas, é muito maior que a vontade de conhecer os Arcos da Lapa, a Cafeteria e Confeitaria Colombo, voltar ao Forte de Santa Cruz, andar pela praia de Copacabana com os pés na areia, quem sabe assistir a uma vitória do meu Internacional no Maracanã…

Aliás, tenho certeza que não voltarei ao Rio de Janeiro, que deixou de ser lindo como Gilberto Gil canta em “Aquele Abraço”, e onde Helô Pinheiro não é mais a Garota de Ipanema tal qual eternizaram Antônio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes… No terreno carioca de hoje, além dos corajosos nativos, habitantes de toda parte do Brasil, e turistas incautos, o que se vê é medo. Medo de cruzar a calçada e ser impedido de voltar para casa por conta de uma bala perdida, medo de ter o celular roubado ou medo de ser eternizado em uma cadeira de rodas depois de ser atropelado por um irresponsável motorista embriagado.

E, depois do que aconteceu nesta terça, 28 de outubro de 2025, data que entrará para a história como a maior matança já registrada em território brasileiro – maior até que a mortandade de detentos no chamado “Massacre do Carandirú”, que no dia 2 deste mês completou 33 anos, foi em 2012 – só me resta lamentar. Primeiro porque definitivamente vou evitar o Rio de Janeiro. Por medo. Medo, mesmo! Segundo porque o Rio deixou de ser atrativo, a mim e certamente para muita gente, do Brasil e de várias partes do mundo.

Vai sofrer, por isso, um revés financeiro inimaginável, já que vive e sobrevive do turismo, de suas belas praias, do carnaval… Tudo ofuscado pelo tráfico sem controle, pelo pipocar dos tiros de fuzil, de pistola, e agora até pelo som de bombas que caem de drones. Tenho pena do Rio de Janeiro, de seus nativos, dos moradores que para lá mudaram oriundos de vários estados brasileiros, e dos turistas vindos de todas as partes do mundo atrás dos seus encantos, atrativos espalhados por todos os lados da cidade, e do estado.

Que pena, Rio, Cidade Maravilhosa.

Pena que estejas numa situação tão difícil, que sejas agora um estado moribundo, repousando na antessala de uma capela velatória, como estiveram nesta semana triste mais de uma centena de vítimas da criminalidade que te governa.

  • Jornalista-radialista
    ssilvsantos@uol.com.br