Elas são guerreiras

As dificuldades enfrentadas não tiram os sorrisos de Eliane e da pequena Manuelly, que nasceu com uma anomalia rara chamada Extrofia Vesical. Ela vai precisar de cuidados para o resto da vida e a mãe pede ajuda à comunidade

Não é regra, mas a maioria das mulheres acalenta os sonhos que nascem na infância: crescer, trabalhar, casar, ter filhos e ser feliz para sempre (de modo bem generalizado, como se a vida acontecesse mediante objetivos claros e simples). 

Contrariando as idealizações que alimentamos, vamos amadurecendo com aquilo que nos é apresentado: uma carreira deixada de lado, um casamento que não dá certo, um filho que nasce com limitações. Realidade que nos faz ser quem somos. 

Aos 35 anos, Eliane Garcia da Rosa, cabeleireira, maquiadora e dona de brechó, vivencia os desafios do seu mais importante papel: o de ser mãe de Manuelly Stopiglia, de três anos e oito meses. Tudo igual a todo mundo, se não fosse o fato de a menina ter nascido com uma má formação congênita chamada Extrofia Vesical, que é uma má formação da bexiga e uretra, na qual a bexiga fica exposta para fora do abdômen, a genitália não é formada completamente e os ossos da pelve são separados, assim como há um afastamento da musculatura abdominal em volta da bexiga.

Explicação complicada, assim como o problema, raro que afeta um de cada 30 a 50 mil nascidos vivos!
“Eu descobri que estava grávida e logo em seguida fiquei internada na UTI do Hospital São Carlos por problemas no útero e de tireoide. Foi tudo junto. Durante a gestação, realizei os exames normalmente e em uma ecografia ouvi o médico dizer: ´é uma menina, mas está estranho’. Minha preocupação era saber se era algo neurológico, o que foi logo descartado. Segui adiante, esperando milha filha”, conta Eliane, dona de uma vontade imensa de ser mãe, já que havia sofrido um aborto espontâneo antes da Manuelly.

Quatro de julho de 2015. Um dia gelado de inverno. Cesárea marcada em Caxias do Sul. Anestesiada, na mesa de cirurgia, Eliane dava à luz sua filha Manuelly. “A médica, vendo minha bebê, falava para mim: ‘lembra que nós falamos que havia algo estranho com a criança?’ Os médicos viam que a Manu tinha nascido com os órgãos exteriorizados do umbigo para baixo, mas não sabiam nem o nome da anomalia. Trouxeram-me o bebê enroladinho e eu só vi depois. Fui para casa com o bebê daquele jeito. Eu estava sozinha para cuidar dela”, recorda a mãe.

Vale ressaltar que em casos de Extrofia Vesical, os reparos cirúrgicos para as reconstruções necessárias são feitos em estágios. O primeiro deles, que é o fechamento da bexiga e do abdômen, é realizado nas primeiras 24 – 48 horas de vida, segundo informações de Uropediatria.

 

Duas cirurgias

“Os vizinhos me ajudavam muito, mas eu via a aflição no rosto das pessoas quando abria as fraldas. Quando ela tinha seis dias, fui atrás de um cirurgião, que pediu que eu voltasse no final do primeiro mês para que ela ganhasse mais peso. Quando ela fez um mês, foi feita a primeira cirurgia em Porto Alegre. Eu estava confiante de que resolveria todos os problemas. Foi quando me trouxeram um bebê pálido, cheio de sondas, parecendo um robô. Eu a amamentava com todos aqueles fios ligados a ela, que gritava de dor. Foi horrível”, revive Eliane.

A pequena Manuelly acabou pegando infecção hospitalar generalizada, que fez com que os pontos abrissem e novamente os órgãos vieram para fora, resultando na necessidade de usar curativos por mais de um ano depois da primeira cirurgia. A mãe pensou que a filha morreria naquela ocasião.

Um ano e meio depois da primeira cirurgia, uma segunda foi realizada para remover a bexiga. “Ela voltou diferente daquela cirurgia. Levou uns cinco dias para acordar, era uma espécie de coma. Um desespero total! Quando acordou, quis comer, mas não podia porque havia algo errado no intestino dela. Foram doze dias de fome e de sede e eu sofri demais vendo minha filha naquela situação”, diz.

O que estava errado no intestino de Manuelly, uma dobra criada, foi resolvido pelo médico que a operou. Mãe e filha passaram aquele Natal e Ano Novo dentro do hospital da capital, unidas a outros pacientes e pais da UTI. 

 

Mais forte que os problemas de sua curta vida, Manuelly é uma criança ativa, esperta, que gosta de dançar, de pular e até aprendeu a andar de bicicleta sozinha, mas por causa das hérnias que possui, a mãe tirou o brinquedo da menina. 16 quilos de pura faceirice!

O que Manuelly tem de diferente fica sob as fraldas, que precisa usar continuamente, pois tem incontinência urinária e fecal. Ela não possui genitália, nem bexiga, tem dois úteros e precisa de monitoramento constante por causa dos riscos de cálculos renais, refluxo urinário e tumores. Tem dores, muitas dores. “Sei que ela não terá uma vida normal, por isso vivo um dia após o outro, sem saber o que vai ser do amanhã, vivendo de expectativa, sorte e esperança”, diz Eliane.

A mãe da moça mora em Porto Alegre. Duas irmãs dela a auxiliam, na medida do possível. O pai de Manuelly deixou a família por ocasião da segunda cirurgia da menina.

Ajuda

Nestes quase quatro anos de vida da filha, Eliane viu seu dinheiro e suas forças acabarem. Viu também profissionais da saúde virarem as costas para o caso (por tratar-se de uma criança de muitos riscos), pessoas se afastarem do convívio por medo ou vergonha. Diante disso tudo, a constatação da necessidade de buscar ajuda na comunidade. “Eu não sabia como as pessoas reagiriam. Até chegar aqui, eu não tinha cabeça, estrutura, informação e nem apoio para iniciar uma campanha em benefício da Manuelly. Agora, reconheço que precisamos de ajuda”, declara.

Ajuda financeira para ir a São Paulo no próximo mês – 16/04 – consultar com especialistas sobre definições para as próximas cirurgias. Ajuda para a menina ir à escola, ajuda para profissionalizar-se em costura (para estas duas últimas necessidades, Eliane está conversando com a prefeitura de Farroupilha). Ajuda que pode chegar de qualquer forma: alimentos, fraldas (XGG infantil), leite sem lactose, lenços umedecidos, pomadas para assaduras, roupas em bom estado para o brechó. “O que vier será bem-aceito porque tudo pode ser transformado em qualidade de vida para a Manuelly”, diz.

Eliane paga aluguel em uma sala no centro da cidade para vender as roupas que recebe em doação. Precisa de um espaço maior e de facilidades para esta atividade. Já está analisando a possibilidade de um curso de costureira para reparar as roupas. 

Jovem e cheia de vontade para fazer com que sua pequena Manuelly tenha uma vida feliz, empenho de toda mãe que ama ser mãe, Eliane pesquisa muito na Internet, onde tem encontrado pessoas que a auxiliam na missão que recebeu. Conheceu mães batalhadoras como ela, como a Thaís Emília de Campos, doutoranda em Educação pela FFC Unesp, que está escrevendo um livro sobre a Manuelly, com previsão de lançamento no começo de 2020.

O que ela espera do futuro? O mesmo que toda mãe espera para seus filhos. “Quero que minha filha seja feliz. Eu sonho em ter uma vida tranquila porque até aqui foi muito atribulada. Não consigo descansar e sei que a Manuelly também não, pois sempre estamos preocupadas. Quero poder dormir e saber que ela está em boas mãos. Vou prepará-la para que ela sofra o menos possível diante dos obstáculos que vai enfrentar na vida e torcer para que seja bem-aceita”, confessa.

A porto-alegrense vive um dia de cada vez, como ela mesma afirmou, e em todos eles a certeza de que Deus confiou esta tarefa a ela por saber que faria de tudo para realizá-la. “A Manuelly é um milagre de Deus e um desafio para a Medicina. Ela veio para ficar e ensinar a mim e a todos, uma grande lição de vida”, conclui a forte Eliane.

Talvez, parte desta grande lição seja exatamente nos mostrar o quanto é importante deixar as queixas de lado e sermos gratos. Por tudo. As dores e as dificuldades não tiram o sorriso de Manu do rosto.

 

Para mais informações sobre como ajudar, entre em contato com:

Eliane pelo número (51) 99230-1446. 

O brechó para ajudar a Manu fica localizado à Rua da República, 445, sobreloja, no centro de Farroupilha. 

Depósitos bancários para: Banrisul, agência: 0643 / conta corrente: 39.003004.0-9.