“Respeito a morte como respeito a vida”

Próxima segunda-feira, Tadeu Salib dos Santos vai receber o título de cidadão honorífico de Farroupilha.
Homenagem merecida diante do carinho que demonstra pelas pessoas em momentos delicados de suas vidas

| Claudia iembo
| Especial

Costumo acreditar que os talentos que temos são aprimorados pelas escolhas que fazemos durante a vida. Algumas pessoas, mais evidentemente que outras, lapidam as próprias características pelo trabalho que desenvolvem. Tadeu Salib dos Santos demonstra possuir uma alma sensível por natureza e o fato de estar há 35 anos na gerência do Memorial São José faz com que se seja alguém admirável exatamente por esta essência: a sensibilidade.

Não havia como ser diferente para desempenhar a função que desempenha. Lida com pessoas e suas tristezas causadas pela morte. É preciso ser sensível para isso. Na verdade, existem três regras que são: amor pela maior criação de Deus, o ser humano; acolhimento, independente de posição social ou religião, e consciência de que cada ser humano que parte é único e não mais um. Nosso trabalho com o falecido é muito rápido, dura em média duas horas, mas com a família dele, o tempo é infinito, ensina senhor Tadeu.

Vindo de Bom Jesus, onde nasceu há 60 anos, ele é dono de uma história familiar intensa, repleta de duras lições, que também foram responsáveis pela formação do forte respeito que ele adquiriu pela vida. Nasci em berço de ouro porque minha mãe Laura havia herdado terras e gado. Casou-se com um barbeiro chamado Antônio, meu pai, com quem teve oito filhos. Meu pai, em determinada altura, começou a se desfazer de todo o patrimônio de minha mãe e simplesmente fugiu, deixando a família em situação extremamente difícil, para não falar miséria, que seria a palavra ideal. Diante disso, minha mãe, uma heroína, teve que abrir mão de cinco filhos, então nós nos dividimos nas casas dos tios, irmãos de minha mãe, explica, fazendo-me enxergar além das palavras.

Começava a infância ligada ao campo, na fazenda do tio, onde tirava leite, tratava dos animais e aprendeu o ofício de tropeiro de gado entre o estado e Santa Catarina. Foi para a escola apenas aos 12 anos. Ficou até entrar no quartel, ocasião em que voltou a Bom Jesus para visitar a mãe. Fui e vi que a situação econômica não era boa, foi então que trouxe todo mundo para Caxias do Sul, onde eu tinha emprego de auxiliar de escritório em uma metalúrgica, relembra.

Em 1977 o casamento com Arlene Medeiros e o nascimento da primeira filha fizeram surgir a necessidade de ampliar os ganhos e o jovem Tadeu da época trabalhava nas noites como plantonista do Grupo L. Formolo. Trabalhava a noite toda, saia e ia para a metalúrgica. Como era muito puxado, depois de um tempo pedi desligamento do grupo e em seguida fui convidado para assumir em horário integral a filial do grupo em Farroupilha. Foi assim que cheguei à cidade, em 1980.

Família

Trinta e cinco anos se passaram e neste período, construiu seu mais precioso legado: sua família, composta pelas filhas Ariane Laura, Aline Tais e Amanda Thayane, respectivamente advogada, pedagoga e fisioterapeuta. Meu ideal sempre foi dar formação para cada filha minha! Consegui! Elas são minhas melhores amigas, entrega.
Como as lembranças o levaram à formatura da primeira filha, as lágrimas também surgiram pela ocasião ter sido marcada pela perda da mãe. No mesmo dia, dois sentimentos tão opostos disputaram espaço. No dia da festa de formatura da Ariane, minha mãe partiu e precisamos fazer as duas coisas. Minha filha deu o maior exemplo de amor, esquecendo tudo para me ajudar, disse, sem evitar o choro que brotava.

As pessoas pensam que nós estamos acostumados com a morte, mas isso não existe porque não existe regra para a partida, acrescentou.

Como tem muito contato com momentos de luto, alguns questionamentos são inevitáveis. A resposta a eles surge de maneira poética. Não vejo que termine com o passamento de alguém. A matéria tem que ser conduzida a algum lugar, mas para quem tiver um legado bom é o começo de uma nova história, que se torna eterna. Desta forma, ele traduziu o que pensa sobre a morte.

A voz firme, com o tom grave predominante, também é usada para falar sobre outros trabalhos, dos quais senhor Tadeu gosta muito: mestre de cerimônias e radialista. Comanda um programa de entrevistas, aos sábados pela manhã na rádio Miriam, chamado Gente que Faz Farroupilha. É muito enriquecedor tomar conhecimento das histórias das pessoas! Confesso que tenho vivenciado grandes emoções aos sábados e isso eu devo agradecer ao homem que confiou em mim e me deu a oportunidade de ingressar em uma rádio: senhor Sezínio Portolan, afirma.

Gratidão sempre será sublime e o senhor Tadeu acredita nisso também. Sou um privilegiado porque sempre fui muito auxiliado em toda minha vida! Sempre recebi estímulos para seguir em frente e esta homenagem que vai acontecer no próximo dia nove eu devo à confiança da direção do grupo L. Formolo, que me deu condições de melhorar, sempre que possível, tudo aqui em Farroupilha.

Esta última frase pode ser interpretada pelo progresso notório do Memorial São José nos últimos anos. O gerente explica que tudo no ambiente é pensado com o objetivo de proporcionar conforto à comunidade em momentos tão difíceis como a perda de alguém.

Senhor Tadeu lida com a morte sim e por isso aprendeu a viver intensamente os momentos felizes da vida. Há dois anos ganhou mais um motivo: Lisa, a única neta, filha de Ariane e de Fabiano Feltrin.

Está aposentado há sete anos, mas não pretende parar porque entende que seu trabalho é um compromisso que assumiu anonimamente.

Por tamanha dedicação ao trabalho que desempenha é que receberá o título de cidadão honorífico de Farroupilha, afinal são 35 anos dispensando atenção à comunidade de forma peculiar: com respeito e sensibilidade.
Da vida peço apenas saúde! Temos uma missão aqui na Terra e não temos consciência de que já existe uma data pré-estabelecida para retornarmos. Quando chegar minha vez de partir quero ir sem sofrimento, por isso construo minha história na simplicidade, no amor e na paciência. Respeito a morte como respeito a vida, finaliza com a sabedoria de quem aprendeu muito com a dor alheia.