Caminhando, retornou ao céu

A tristeza em palavras das pessoas que conviveram com Ricardo Ló

No último domingo, 12/6, o radialista Ricardo Ló faleceu em um atropelamento no centro da cidade. As manifestações sobre o fato não pararam de acontecer. Mais que falar sobre a perda, as pessoas falam sobre o ser humano que ele foi e a marca que deixou para cada um. Pessoas que conviveram profissionalmente com ele, que tiveram contatos constantes ou ocasionais, enfim, quem em algum momento tratou com Ricardo Ló foi visitado pela tristeza.
Eu mesma, em diversos encontros gerados pela profissão, apertei a mão de Ló, grande como a generosidade que emanava – e podia ser sentida – dele. Certa vez comentei que a voz segura contrastava com um quê de timidez notada atrás das lentes dos óculos, a resposta foi um sorriso.
Em muitos momentos nossos passos se cruzaram pelas ruas de Farroupilha e foi assim, nos passos que não chegaram ao destino, que ele retornou ao céu.
Eternizados nas páginas do nosso jornal ficam sua história de vida e seus ensinamentos. Nossa homenagem no compartilhamento do carinho das pessoas para com o radialista, que atuou em áreas bem pontuais como rádio, representada aqui pelo diretor Benildo Bordignon e pela colega Gleici Trois; esporte, pelo locutor esportivo Ivanir Pinto; cultura italiana, pela presidente do Círculo Italiano de Farroupilha Mara Lúcia Ballardin, pelo diretor da TV Serra e presidente da Associação Cultural Nei Tempi Del Filo Leandro Adamatti e tradicionalismo, pelo patrão do CTG Ronda Charrua Rogério da Silva.

Gleici Trois,
Jornalista da Rádio Miriam

No domingo, 12 de junho, a jornalista Gleici Trois (à esquerda), amiga de trabalho na rádio Miriam Caravaggio, postou em sua rede social:
“Hoje tive o dia mais desafiador dos meus anos no rádio. Entrar no ar no horário em que normalmente se ouvia a voz do inconfundível e insubstituível Ricardo Ló, um ícone da imprensa da Serra gaúcha.
Ricardo somou quase 50 anos de rádio, sendo mais de quatro décadas somente na Rádio Miriam Caravaggio. Hoje, infelizmente não ouvimos as palavras dele, sempre divertidas, sábias, de um linguajar simples que comunicava a todos. Mas nos reunimos para falar sobre ele, com todo carinho e admiração.
O programa ouviu depoimentos de colegas, ex-colegas, grandes amigos, sacerdotes e lideranças que compartilharam seus dias ao lado deste grande parceiro. E são tantas pessoas, pois Ricardo estava em tudo: no jornalismo, na preservação da cultura italiana, no esporte, no tradicionalismo, na religiosidade, na educação e em tantos segmentos.
Todos nós, que convivemos diariamente com ele, como também aqueles que o acompanhavam pelo rádio, só temos a agradecer. A voz do Ricardo nunca deixará de ecoar, pois nós a levaremos adiante, propagando tudo que nos ensinou. Ele merece todo nosso reconhecimento! ”

A jornalista Gleici Trois (à esquerda), amiga e colega de trabalho de Trabalho de Ricardo Ló na rádio Miriam Caravaggio, postou o texto acima em sua rede social.

Mara Lúcia Ballardin,
Presidente do Círculo Italiano de Farroupilha

“O Ricardo era dessas pessoas que marcam por onde passam, pelo seu carisma, pela sua generosidade, simplicidade. Era um homem verdadeiro, autêntico, desprovido de qualquer vaidade, um gigante, o “gigante do talian”, com um coração maior do que ele, era amado por todos.
Difundiu a cultura italiana por onde passou, nos grupos que frequentava, nas comunidades do interior de Farroupilha, nas festas do município, nas escolas, nos seus programas de rádio e fazia isso tudo por amor.
A partida do nosso querido Ricardo deixa uma lacuna imensa no resgate da cultura italiana, o que só aumenta o nosso compromisso diante do legado que ele nos deixa. Esperamos poder conduzir o Círculo Cultural Ítalo Brasileiro com a mesma paixão, com a mesma alegria.
Certamente o céu está em festa, em festa falando talian”.

Mara Lúcia Ballardin e Ricardo Ló

Parte do texto lido, no ritual de despedida, por Leandro Adamatti,
Diretor TV Serra e presidente da Associação Cultural Nei Tempi Del Filo.

“Ricardo, o teu grupo do filó hoje tem um aperto gigante no coração, em sentimento de falta e de saudade. Teu grupo do filó nunca esquecerá de teus conselhos, de tuas palavras, de teus sonhos. O teu grupo do filó vai seguir teus passos e buscará em você a inspiração e a força para continuar com o que você mais queria: divulgar e manter a cultura e as tradições italianas.
Ricardo, horas depois de você ter estado na companhia do teu grupo do filó, você iniciou mais uma caminhada para o teu trabalho, num domingo pela manhã gelado. Depois de ter cumprido tua missão em nosso meio, você iniciava mais uma de suas manhãs, como fez milhares de vezes. Mas nesta manhã você dava passos com o terço na mão, caminhando porque Nossa Senhora de Caravaggio estava te esperando de braços abertos para te entregar a seu filho Jesus e a Deus pai.
Mille grazie, Ricardo, e che Dio sia sempre con te”.

Leandro Adamatti e Ricardo Ló

Benildo Bordignon,
Diretor da Rádio Miriam Caravaggio.

“Como colaborador da Rádio Miriam, por mais de 40 anos, o Ricardo Ló era extremamente comprometido. Chegava sempre meia hora antes de entrar no ar, era incapaz de dizer não para qualquer pauta, tinha uma capacidade incrível de improvisar e uma empatia sem igual com os ouvintes. Falava com o ouvinte como se estivesse falando pessoalmente com cada um. Na rotina de trabalho era uma pessoa leve. Se importava com os colegas, improvisava um chimarrão de vez em quando ou um café e sentava para conversar. Já está fazendo muita falta”.

Benildo Bordignon e Ricardo Ló

Ivanir Pinto,
Locutor esportivo, parceiro na narração dos jogos do Brasil de Farroupilha.

“Quando se perde um amigo, se perde muito da vida. Convivi com o Ricardo em muitos momentos e aprendi a admirá-lo por sua simplicidade, seu carisma, seu jeito especial de ser.
Nas Castanheiras com o Brasil, no interior com o futebol amador, no ginásio com o futsal, no Tribuna, nas comunidades em almoços e jantares que ele sempre procurou organizar. Era uma característica sua promover encontros para reunir a turma, contar histórias, comer bem e degustar um bom vinho. Incontáveis vezes.
O Ricardo foi um exemplo de ser humano. Sem vaidades, sem luxo, sem frescura. Sempre pensou primeiro nos outros. Em seu velório se falou muito em dar voz. E essa é uma grande verdade, talvez uma grande marca. O Ricardo deu voz para muita gente. Do mais simples ao mais importante dentro de alguma instituição. Não importava a posição; se estava lá, poderia ser ouvido.
O Ricardo fez história no rádio. Passarão os anos e as pessoas nunca se esquecerão do Xirú, dos seus cabelos longos, da máquina fotográfica, do gravador. E do famoso “eu já informei” quando, por algum motivo, a gente pedia para repetir uma substituição num jogo de futebol.
Lembro-me de uma passagem interessante, dentre tantas outras, mas não lembro o ano. Eu estava em casa me preparando para sair para o trabalho – na época eu trabalhava na Trombini e fazia o futebol com a Miriam – quando ouvi no rádio o Ricardo falar de algo que “quem já tinha visto era para sair e ver novamente e se alguém não conhecia, era para aproveitar a oportunidade”. Demorou certo tempo para eu entender o que ele estava dizendo. Naquela manhã, por volta de seis e pouco, nevava em Farroupilha. Eu não conhecia neve; minha família não conhecia. O Ricardo nos trouxe, pelo rádio, a informação. Acordei minha turma, vibramos, nos divertimos com a neve. Depois, mesmo tendo transporte à disposição, preferi ir caminhando do São Roque até o trabalho, só para curtir a neve. Nunca me esqueci disso.
Uma vez ele me ligou, eu já morava em Garibaldi. Ele sempre me chamou de Pinto. Raras vezes de Ivanir. “Pinto, estou indo te visitar; estou de férias”. E veio mesmo. Trouxe um rancho. Ficou dois ou três dias em nossa casa. A gente saía para o trabalho e ele ficava mateando e preparando o almoço. Era uma festa.
Não foi fácil o domingo; não foi fácil a segunda. Não está sendo fácil. A tristeza é grande. Descanse em paz meu amigo, meu irmão. Um dia, acredito, nos reencontraremos”.

Ivanir Pinto, locutor esportivo

Rogério da Silva,
Patrão do CTG Ronda Charrua

“O Ricardo sempre colaborou com a entidade, sempre conversava conosco, nos auxiliando, era um tradicionalista ativo. Um homem simples. Foi uma grande perda para todos os amigos”.

Rogério da Silva, Patrão do CTG Ronda Charrua também fez homenagem a Ricardo Ló

O homem por trás da voz

Ricardo Ló faleceu aos 71 anos, na manhã fria de um domingo, dia dos namorados. Nascido na comunidade de Mundo Novo, interior de Farroupilha, estava prestes a completar 48 anos como radialista e só na Rádio Miriam Caravaggio – onde comandava, aos domingos, um programa todo em talian, o Come no antri no ghene, para manter viva a cultura dos descendentes italianos – trabalhou mais de 40 anos.

Foi atuante na preservação dos costumes italianos: fundador do grupo Nei Tempi del Filó e presidente do Círculo Cultural Ítalo-Brasileiro de Farroupilha. Foi patrão do CTG Ronda Charrua, onde recebeu o apelido Xirú de “um vivente do Guaraí”, que declamava poesia na rádio. O apelido pegou, mas ele preferia ser chamado pelo nome.

Sempre atuou no esporte e por causa disso, em 2016 recebeu o título Título Mérito Esportivo, da Câmara de Vereadores de Farroupilha, época em que o jornal O Farroupilha fez um perfil com ele, no qual ele contou: “Em 1975 comecei com as reportagens dos jogos do Brasil de Farroupilha. Minha estreia foi no estádio Baixada Rubra, que havia na Rua Barão do Rio Branco. De lá para cá não parei mais”.

O fascínio pelo rádio começou cedo para ele, que estudou dos 10 aos 20 anos em seminário, já que o desejo era ser padre. Aliás, foi exatamente por causa de um religioso, que mexia com radio difusão, que Ló conheceu o mundo do qual faria parte. A boa leitura cooperou para que ganhasse espaço naquela época. “Fui para São Paulo, onde fiquei por três anos, no final dos anos 60, início dos 70, justamente quando a Rádio América de lá foi assumida pelos padres paulinos e eu então, ficava com a apresentação das festas”.

De volta a Farroupilha, passou a dar aulas de Religião e de Música até que passou em um concurso para locutor, em 1974. Não saiu mais das rádios. Passou por várias como repórter esportivo e em 1993 retornou à Rádio Miriam, na qual estava.

“Trabalhar em rádio requer quesitos fundamentais: vontade e esquecer de olhar no relógio, sem se preocupar com o tempo, com os finais de semana. Eu passei, como ainda passo os finais de semana da mesma forma: trabalhando”. E assim o fez até seu último dia, quando caminhava para realizar seu programa dominical na rádio. Na manhã do ensolarado dia 12 de junho, a voz de Ricardo Ló calou-se para sempre.

O radialista não era casado e nem tinha filhos. Morava com familiares no bairro Imigrante, em Farroupilha.

REPORTAGEM: Claudia Iembo