“O grande show é das equipes”
Sempre prestativo e bem humorado, Sezínio Portolan conta como surgiu a ideia de fazer a Gincana da Spaço FM e do seu sucesso até hoje
Tatiane De Bastiani e Roberto Ferrari
Explicar o que é a Gincana da Spaço FM para quem não participa dela é uma missão difícil. Farroupilhenses e alguns moradores da região conhecem sua grandiosidade, mas pessoas de fora dificilmente entendem as proporções que o evento toma no município quando sua existência é apenas contada.
A Gincana da Spaço FM é mais que uma simples gincana. Durante dois dias é só disso que se fala em Farroupilha. Milhares se mobilizam para fazer com que sua equipe seja campeã. Das cinco participantes, como segue a regra, somente uma vence. A vitória, por sua vez, não é nada fácil. A comissão organizadora elabora tarefas que exigem o máximo dos participantes. Com o advento da internet, principalmente, o trabalho ficou ainda mais complexo, uma vez que as equipes têm essa ferramenta à disposição.
Sezínio Portolan, 76 anos, é o grande idealizador do evento e atua diretamente na comissão organizadora, juntamente com a família Portolan, equipe da Rádio Spaço FM e demais colaboradores. Em entrevista para o jornal O Farroupilha, ele conta como surgiu a ideia de fazer a gincana, a história através dos anos e o motivo que a faz um sucesso ainda hoje.
Sempre prestativo e bem humorado, fala ainda sobre o trabalho minucioso da organização, o envolvimento dos farroupilhenses e o seu maior prazer nos dois principais dias do evento, que é ver as equipes fazendo um belo show para toda a comunidade.
O Farroupilha – Como surgiu a Gincana da Spaço FM?
Sezínio Portolan – A ideia da gincana nos moldes atuais foi minha, mas não começou por mim e sim pelo CNEC. As primeiras gincanas eram chamadas de quermesse, depois evoluíram e começaram a se chamar de gincanas. Normalmente começavam de manhã e à tarde terminavam. Depois do CNEC, esta gincana foi realizada também no São Tiago, junto dos estudantes dos últimos anos do curso técnico de contabilidade, que a chamavam de Gincal. Após, a brincadeira foi para outra rádio onde eu era o diretor. Nesse período eu consegui a concessão para a rádio FM e a gincana começou a ser realizada pelo Clube do Comércio. Por fim, resgatei-a e ela começou a ser realizada pela Spaço. Teve um período em que a Prefeitura quis realizar o evento e eu deixei. Como realizar algo desse porte não é tarefa fácil, logo vieram pedir a mim para organizar novamente. É um prestígio que tenho até hoje.
O Farroupilha – Nunca pensou em desistir de realizar a Gincana?
Sezínio – Às vezes tenho vontade de desistir por ser muito trabalhoso e por não ser financeiramente compensadora, mas a Gincana vale por outros motivos muito maiores que o monetário e o objetivo maior é fazer uma grande festa para a cidade. Por exemplo, um dia eu pensei: temos que terminar com o evento, pois nada dura para sempre. Então aconteceu uma tarefa, onde as equipes precisavam trazer em torno de 100 crianças, trajadas com gorros de natal, e ir à noite em frente à rádio para cantar uma canção natalina. Eu estava saindo do prédio, tendo esquecido que podiam estar ali, quando abri a porta e vi aquela criançada que também me viu. Começaram a gritar, felizes. Como posso deixar de realizar uma festa dessas?
O Farroupilha – Como é a relação com os demais organizadores do evento?
Sezínio – A família Portolan sempre me apoiou. Não são sempre os mesmos que organizam, mas existem pessoas trabalhando conosco desde o início. São mais de cem pessoas, muitas inclusive de outras regiões que se oferecem ou recebem convite. Elas vem até a rádio onde criamos as tarefas e estas são guardadas. Algumas são lançadas. As idéias apresentadas são sempre adaptadas para a nossa cidade. Para nós tudo é Gincana; tudo se guarda como ideia.
O Farroupilha – Para o senhor, o que é a Gincana?
Sezínio – É uma grande brincadeira, mas que para nós da organização é algo muito sério.
O Farroupilha – O formato do evento é bianual, qual o motivo?
Sezínio – Se resolveu fazer de dois em dois anos porque é muito trabalho, tanto para a organização quanto para as equipes. O custo é muito grande e não se tem condições de comercializar o valor em pouco tempo.
O Farroupilha – Entre os investimentos está o show de encerramento.
Sezínio – Nós mudamos a Gincana com o tempo e pensamos que podíamos fazer o fechamento com um show. Porém, sempre pensando nas equipes. O objetivo é que elas façam o show. Depois contratamos uma banda. Mas reforço: o grande show é das equipes no palco, fazendo apresentações de tarefas.
O Farroupilha – Onde serão realizadas as apresentações este ano?
Sezínio – Um palco será montado entre as ruas Prefeito Schneider, Arcângelo Chiele, José Hilger e Luis Busetti, a uma quadra do prédio da Rádio Spaço. O QG Principal continuará aqui no prédio da rádio.
O Farroupilha – Que tipo de cuidados existem na hora de criar as tarefas?
Sezínio – Nós trabalhamos sempre pensando na segurança, inclusive nas tarefas em que são estipulados prazos. Já tivemos tarefas canceladas por se ter concluído serem muito perigosas ou também ter vazado informações. Trabalhamos com reservas de tarefas, justamente para estes casos. Os gincaneiros realizam as tarefas mesmo com mau tempo e durante à noite. Precisamos pensar nas tarefas para que elas sejam imprevisíveis, uma caixinha de surpresas. Mas, mesmo para as que requerem mais tempo, calculamos tudo para que haja segurança. A Gincana também não é salvo conduto para ninguém argumentar mal comportamento.
O Farroupilha – Como a organização se relaciona com as equipes participantes?
Sezínio – Somos parceiros das cinco equipes, pois a organização também é uma equipe. Temos amigos em todas e não temos uma preferida. É como uma mãe e seus filhos. Não gostamos mais de um ou outro. Eles são diferentes, cada um com sua característica, mas amamos a todos. Claro que logo de início percebemos as equipes mais organizadas, mas também entedemos que o trabalho delas não é fácil. Muitas vezes as equipes têm milhares de inscritos, porém somente alguns participam ajudando de verdade. Outros vão lá para dar somente aquele “oi”. Mas quero enfatizar que a Gincana só tem esse sucesso por causa das equipes e de suas lideranças, que são fantásticas. Me atrevo a dizer que estas equipes são quase seitas, pela paixão que demonstram pelas suas camisetas .
O Farroupilha – O momento de divulgar o resultado da gincana é sempre marcado pela alegria de alguns e frustração de outros. Como se relacionar com isso? Há com certeza uma pressão por parte dos participantes.
Sezínio – Não gosto de ver a diferença pequena nos resultados. Às vezes o campeão se dá através de uma única tarefa que foi melhor realizada. Existem duas equipes que ficam felizes com o resultado: a que fica em primeiro lugar e a que pensava em ficar no último lugar e não ficou. Às vezes as equipes nos procuram por achar injusto o resultado, mas no dia seguinte, quando a cabeça esfria, eles entendem que faz parte da Gincana e que para vencer, a equipe precisa estar muito bem preparada.
O Farroupilha – De que forma há a contestação do resultado por parte das equipes?
Sezínio – Quando visitava os QGs, via nos quadros que todas as tarefas anunciadas estavam cumpridas. Todas estariam mesmo cumpridas? No final das contas, eu descobria que não, mas essa era a maneira de motivarem a equipe. Ou, muitas vezes, as equipes entregam tarefas, mas elas não estão corretas. Entregar é uma coisa, acertar é outra, completamente diferente.
O Farroupilha – Qual o principal fator que tem atrapalhado a organização na elaboração das tarefas?
Sezínio – Muitos objetos solicitados nas tarefas se encontram em Farroupilha, mas o pessoal não sabe procurar e busca onde tiver. A internet ajuda muito, pois através dela os gincaneiros deixam de procurar aqui e vão para lugares mais longe, onde sabem que a garantia de encontrar é grande. Ficou fácil para as equipes e mais difícil para nós. A internet pode não dar as respostas corretas, mas no mínimo já dá um norte.
O Farroupilha – Algumas tarefas são caracterizadas pela complexidade, envolvendo principalmente elementos históricos da cultura da região. Recorda de uma desse tipo?
Sezínio – Uma das que mais me marcou foi a de um disco que as equipes tinham que encontrar. Este disco havia sido gravado em 1946 para a comemoração do Congresso Eucarístico de Caxias do Sul e era feito de carvão. No disco, de um lado havia o Hino do Congresso e do outro o Hino de Nossa Senhora de Caravaggio, que era padroeira do evento, com letra de Dom José Barea e música de Monsenhor João Menegusso. A Mitra distribuiu para todas as paróquias e outros exemplares foram também vendidos. Eu comprei. As equipes tinham que achar um exemplar desse disco e executar o Hino do Congresso Eucarístico. Mas ninguém encontrou.
O Farroupilha – Então o senhor utiliza muito acervo pessoal para originar as tarefas?
Sezínio – Sim. Outro exemplo de tarefa que envolve também a questão histórica foi o diploma que meu avô, Vigílio Portolan, ganhou como colaborador da Arquidiocese de Porto Alegre, quando fez uma doação para construção da Catedral. No certificado há o título de “protector”. Todos os demais colaboradores também ganharam e por isso solicitamos que as equipes trouxessem outros diplomas da ocasião.
O Farroupilha – Quais são as tarefas que o senhor mais gosta?
Sezínio – As tarefas mais interessantes são as que ninguém consegue cumprir, pois quem vence é a equipe organizadora (risos).
O Farroupilha – A variedade das tarefas também surpreende.
Sezínio – Pois é, temos charadas e as charefas, que são uma charada vinculada à uma tarefa. Nas charefas o que está em jogo não é pontuação e sim descobrir qual vai ser a tarefa antes que as outras equipes. Aí a equipe sai na frente. Recordo de uma realizada no Parque da Imigração Italiana, em Nova Milano, onde uma caixa d'água foi derrubada e um homem ficou sentado lá, esperando que as equipes fossem até ele para saber a próxima tarefa.
O Farroupilha – Considera alguma tarefa como “a mais importante”?
Sezínio – Isso é por conta das equipes, mas é muito relativo. A equipe que conseguiu executar a tarefa tal, a considera a mais importante. A que não conseguiu, nem comenta. A repercussão e a importância dependem dos próprios gincaneiros.
O Farroupilha – Outras tarefas exigem conhecimentos específicos dos participantes.
Sezínio – Essa é uma das intenções. Em uma das tarefas colocamos 15 garrafas de vinho e um representante de cada uma das equipes tinha que descobrir de que cantina era cada um dos vinhos. Tinha que ser especialista ou um bom “bebum”. (risos). Mas teve gente que conseguiu. Neste mesmo estilo temos outras tarefas como descobrir os cheiros de alguma coisa. São tarefas que não têm muita repercussão, pois são realizadas em uma sala mesmo, por uma única pessoa, mas que também têm suas peculiaridades.
O Farroupilha – Mais alguma tarefa que também considere memorável?
Sezínio – Nunca tivemos em nenhuma Gincana a realização de 100% das tarefas por todas as equipes. Mas, entre as tarefas marcantes sempre vão estar as construções, como a de catapultas, bicicletas de madeiras, troles para andar nos trilhos do trem e até de um iglu feito com gelo. Além disso, as tarefas noturnas, que sempre são muito esperadas e reúnem vários gincaneiros para localizar objetos.
O Farroupilha – Qual o sentimento que o senhor tem pela Gincana depois de todos esses anos na linha de frente?
Sezínio – A Gincana me entusiasma, é fascinante. Vejo a gurizada que nem sabe o que é a gincana e já esta aí, querendo a camiseta da equipe. O evento é um presente para a população que tanto trabalha e merece um dia de festa. Os desfiles são coisas de cinema, movimentam metade da cidade e dão de dez a zero em muitos desfiles de eventos da região.