“Pai Presente”, o reconhecimento que todo filho espera, está em Farroupilha

Desenvolvido no Brasil pela Corregedoria Nacional de Justiça, no município o projeto conta com a participação de psicólogos

Silvestre Santos
silvestre@ofarroupilha.com.br

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Ter o nome do pai na Certidão de Nascimento é um anseio que quase todo filho tem, mas que nem todos conseguem por diversas razões. Um relacionamento mal resolvido, uma paternidade indesejada, uma produção independente por parte da mãe ou, até, resultado de um crime de estupro, são algumas das situações que podem resultar nessa lacuna muitas vezes sufocada por uma vida inteira. No Brasil, e em Farroupilha, o projeto “Pai Presente”, mantido pelo Conselho Nacional de Justiça e coordenado pela Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ), promove ações visando facilitar o reconhecimento da paternidade, ainda que tardia.

Na cidade, o trabalho, mesmo de responsabilidade da Promotoria da Infância e da Juventude, tem a colaboração de um grupo de psicólogos que atua como voluntários, espelhando modelo implantado, de forma pioneira no Rio Grande do Sul, em São Sebastião do Caí. De acordo com uma das voluntárias, a psicóloga e psicanalista Giselle Dalsóchio Montemezzo, a ação destes profissionais ajuda na intermediação entre mães e filhos, filhos e pais, e pais e mães, promovendo um entendimento nem sempre possível – até então.

O projeto capitaneado pelo Ministério Público conta com a ajuda dos cartórios de registros civis, que são mais de 7 mil em todo o Brasil, onde mães e filhos podem preencher formulário específico de requerimento que é o ponto de partida para o processo de reconhecimento da paternidade. “Quando é feito o registro de nascimento sem o nome do pai, o cartório tem o dever de comunicar a promotoria. Depois disso, a mãe é chamada para que lhe seja dado conhecimento sobre os direitos do filho, especialmente o registro com o nome do pai”, explicou a psicóloga.

Mais do que ter o nome do pai no documento, o filho passa a ter acesso a benefícios jurídicos, sempre que esta providência é tomada. Giselle explica que a presença de psicólogos, no momento de conversar com a mãe, o filho, o pai, ou com mais de um deles ao mesmo tempo, permite o que ela chama de “uma escuta muito mais atenta do caso, ajudando uma das partes, principalmente a mãe, a entrar em contato com sua própria história e a entender qual é a causa de não ter o registro do pai no documento”.

Tanto os profissionais da Promotoria da Infância e Juventude quanto os psicólogos voluntários – em Farroupilha são cinco profissionais da área, uma pedagoga e uma estagiária do curso de psicologia – fazem o acompanhamento de caso a caso, para entender da mehor forma possível a situação e como será possível intervir com o objetivo de encontrar a melhor solução. Há casos em que o desfecho nem sempre é o desejado, especialmente quando há negativa de pais que não querem assumir a paternidade e a situação acaba sendo encaminhado à esfera judicial.

O embrião do projeto na cidade

Em Farroupilha o “Pai Presente” teve o start ainda em 2017, quando o então presidente da ONG Brasil Sem Grades (já extinta), organização não governamental criada pelo empresário Luiz Fernando Oderich, de São Sebastião do Caí, foi convidado para palestrar na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), na cidade. O início dos trabalhos, de modo ainda tímido, se deu no ano seguinte, com a visitação em escolas do município para falar sobre o projeto, e foi duramente atingido pela pandemia da Covid-19, que se agravou em fevereiro de 2020, de forma que a atividade foi paralisada até meados de 2022.

O trabalho de campo consta, basicamente, na realização de palestras em escolas, empresas, repartições públicas e entidades de um modo geral, com a finalidade de esclarecer aspectos relacionados à legislação e atentando para a importância de a criança ter o nome do pai na Certidão de Nascimento. Atualmente, as mães chamadas são recebidas na sede da Coordenadoria da Mulher, na Promotoria de Justiça, ou é mantida uma conversa via internet, que é uma forma de dar agilidade ao procedimento. As formas de contato com as mães, depois que acontece a informação do cartório, se dão principalmente pela busca ativa. São mantidos contatos telefônicos, ou realizada uma convocatória por oficial de Justiça.

Outro aspecto que transcende à identificação paterna no registro de nascimento, de acordo com Giselle, é oferecer à criança, ou adolescente, a possibilidade de “ter a proprieade da sua história.Aquele sujeito que tem acesso às suas informações, pode-se dizer que está ‘vacinado’ quanto aos eventais problemas emocionais e até de aprendizagem, o que é bem comum. Ter acesso à sua narrativa é, talvez, o que entendemos como sendo a parte mais importante do projeto. Mais até do que ter um DNA positivo”, garante a profissional.

Para saber

  • O programa busca estimular o reconhecimento de paternidade de pessoas sem esse registro.
  • Toda vez que há um registro apenas como nome da genitora, os cartórios são obrigados a notificar o juízo para que o direito à paternidade, garantido pelo artigo 226, parágrafo 7º, da Constituição Federal de 1988, seja respeitado.

Para ser atendido:

  • Whatsapp (54) 98116.1732
  • Defensoria Pública, rua Independência, 102 (3261.1603)
  • Promotoria de Justiça, rua Professor Schneider, 330 (3261.3500)
  • Cartório de Registro Civil, rua Independência, 99 (3261.1436)

Depoimento

Por absoluta ironia, uma daquelas peças que o destino prega na gente, como jornalista que escreveu esta matéria, sou mais um, entre centenas de milhares de crianças que nascem todos os dias, meses e anos: também não conheci meu pai biológico.

Por circunstâncias que não vêm ao caso, aqui, minha mãe de barriga já estava pré-disposta a entregar-me para adoção. No hospital em que nasci, um casal, havia poucos dias, havia sepultado um recém-nascido que viera ao mundo sem vida.

A mulher, quando soube da história, não hesitou em pedir-me em adoção, passo que acabei trocando de família no mesmo dia em que conheci a luz.

Meu pai adotivo, de forma altruísta e no calor da emoção, no caminho para o cartório de registro civil até esqueceu o nome pelo qual eu deveria ser chamado, razão pela qual tenho o que uso hoje. E, no cartório, registrou o sobrenome da mãe que me deu vida.

Mas, minha certidão ainda não tinha o nome de um pai.

Anos mais tarde, melhor informado e com a firme intenção de me oportunizar um futuro mais venturoso, meu pai adotivo – que Deus o tenha! – buscou assessoramento jurídico e tratou de alterar não apenas meu sobrenome, mas preencheu a lacuna que havia no lugar do nome de um pai.

Passei a assinar um novo sobrenome, nada pomposo, mas ainda assim eu tinha um, novo. E, agora, tinha também um pai. Interessante é que eles nunca esconderam o fato de eu ser uma criança adotada. Ao contrário, sempre estimularam que eu mantivesse contato com minha mãe, que também já está no andar superior. E, até agora, me relaciono com meus irmãos e suas famílias.

Não sei, até hoje, quem é, ou foi, o pai que me gerou.

Não me fez, nem faz, falta.

Eu sei quem foi o pai que me criou! É o que importa!

Silvestre Santos – Jornalista/Radialista