Cooperativismo que gera frutos

Prestes a completar 84 anos, a Cooperativa Vinícola São João é um exemplo bem-sucedido de associativismo
que progrediu com os pés no chão, mesclando a sua história com a vida de seus associados

Reportagem Especial
Adroir da Silva, Claudia Iembo e Roberto Ferrari

Pense em uma empresa de estrutura coletiva com a solidez de 84 anos no mercado, fruto do trabalho de pessoas que são os próprios beneficiários dos negócios realizados. Você conhece muitas? Na Linha Jansen, em Farroupilha, está localizada a Cooperativa Vinícola São João, cujo legado se confunde com as histórias de vida dos associados.

Tudo começou em 1931, quando um grupo de produtores de uvas deparou-se com a dificuldade de venda do produto. Reuniram-se na casa de um deles e debatiam alternativas que pudessem solucionar o problema. Nascia a Cooperativa, que hoje contabiliza 447 associados e envolve diretamente 300 famílias.

Os negócios cresceram porque os produtores associados passaram a ser bem-sucedidos e vice-versa, como acontece no associativismo. O lucro da nossa cooperativa tanto pode ser distribuído entre os associados quanto investido em cotas partes, que são resgatadas quando há a saída do associado. Então, na verdade a cooperativa é dos próprios associados, explica o enólogo que está à frente da direção administrativa, Ismar Pasini.

Pasini foi contratado em 1998 e trouxe, além de sua experiência de enólogo, a visão de quem passou por multinacionais. Eu acredito que o melhor sistema que existe para o crescimento econômico é o cooperativismo porque se todo mundo vai bem, a coisa funciona. Além disso, é melhor de ser administrado porque a facilidade do contato com o produtor associado agiliza a tomada de decisões, defende.

Ainda neste âmbito de comparar uma cooperativa a uma empresa privada, há de se ressaltar também a aproximação entre presidente, diretoria e associados. A integração que temos e a abertura que fazemos questão de manter são muito fortes! Fazemos reuniões, churrascos e estamos sempre em contato com os verdadeiros donos do negócio, acrescenta o presidente da Cooperativa Vinícola São João, Valderiz Possa.

Cooperar e crescer juntos

Para entender o surgimento da Cooperativa São João é preciso compreender que ela ocorreu em uma época marcada pela criação de várias cooperativas vitivinícolas na região da Serra Gaúcha. Era aproveitado o embalo do êxito da pioneira Cooperativa Forqueta, de Caxias do Sul, fundada em 1930.

O que ocorria no início daquela década no segmento da uva e do vinho, era a divisa em dois grupos distintos. De um lado, pequenos comerciantes de vinho criavam a hoje extinta Companhia Vinícola Rio Grandense. De outro, os viticultores retomavam o modelo associativo – que teve uma primeira e mal sucedida experiência no Estado na década de 1910, sob tutela do governo e a coordenação do italiano Stefano Paterno. Como todos os produtores eram pequenos, a única maneira de enfrentarem o mercado era se unindo.

Após vários encontros, no dia 25 de outubro de 1931, na casa de Júlio Mangoni, maior articulador do movimento, realizou-se a assembleia de criação da Cooperativa Vinícola São João Ltda. Conforme consta na ata original, a Vila Jansen (6 de agosto de 1933), era sede do 3º Distrito de Bento Gonçalves. Farroupilha, município do qual se tornaria 2º Distrito, somente se emancipou em 1934. Os trabalhos da reunião foram dirigidos por Fidelis Noal, no mesmo dia eleito diretor-gerente da Cooperativa.

Na presidência estiveram nomes de destaque da comunidade, como Hugo Mantovani (1931 a 1958), Silvio de Cesaro (1958 a 1967), Edejalme José Mangoni (1967 a 1973), Armando Mangoni (1973 a 1974), Dolorindo Possa (1974 a 2003) e Valderiz Possa (2003 até hoje). Também importantes e decisivos no crescimento da São João, foram diretores administrativos: Otacílio Mangoni (1931 a 1944), Augusto Vitório Cavalca (1944 a 1981), José Antonio Fante (1982 a 1984), Basílio Pasa (1984 a 1990), Enio Selli (1991 a 1998) e Ismar Pasini (1998 até hoje).

Tradição entre as famílias

Aos 61 anos, últimos 12 neste cargo que ocupa hoje, Possa, assim como a grande maioria dos associados, tem a história de sua família mesclada à existência da cooperativa. O pai dele, seu Dolorindo, foi presidente da entidade por 28 anos. Passou o cargo para o filho. Na galeria dos retratos dos presidentes, que fica no escritório da matriz, o filho ficará ao lado do pai, com muito orgulho.

Waldeni Magoni é outro exemplo desta tradição familiar na Cooperativa: é associado há mais de 40 anos. De poucas palavras, ele diz que se a São João deixasse de existir, ele mesmo cortaria suas parreiras. Resposta curta que diz muito. Mas, claro, não são desejos para o futuro e, sim, muita vontade de trabalhar correndo em suas veias.

Sentimento que vai além. O apego ultrapassa os negócios e invade o campo das emoções. Meu avô Júlio foi um dos fundadores da Cooperativa, então tenho um carinho imenso por ela. Naquela época o vinho saia daqui carregado em barricas levadas por mulas até a cidade e de lá de trem para Porto Alegre! Meu avô ia à capital também. Não era estudado, mas inteligente! Tem até uma piada que conta que um dia, segurando o jornal de ponta cabeça, lá em Porto Alegre, caçoaram dele e ele disse que ler do jeito certo era fácil, difícil era ler como ele fazia, diverte-se o saudoso neto.

Para esta entrevista, seu Mangoni, de 77 anos, foi encontrado em meio a lida diária, com maquinário equipado nas costas, tomando providências em suas parreiras para acabar com as formigas!

A Cooperativa São João é feita por pessoas como ele; como o presidente Possa que ocupa o lugar do pai; como o seu Ardelino Giacomini, associado desde 1951, o mais antigo segundo dados oficiais; e como o diretor Pasini, que entende o significado de expandir a atuação em parcerias que movimentam ainda mais os negócios para o crescimento de todos.

Com os pés no chão e os olhos no futuro

A Cooperativa São João ocupa um espaço imenso no coração de Vila Jansen, com seus tanques de aço inox para a produção de espumantes (Brut e Moscatel), de vinhos e de suco de uva em suas linhas Castellamare e San Diego.

Hoje possui 30 funcionários, além dos 447 associados, que contam com vantagens como a assistência técnica do engenheiro agrônomo Paulo Tesser, assistência médica, facilidade de entrega do produto e a proximidade com todos que fazem parte da cooperativa.

Há quase 20 anos, a Cooperativa São João passou por uma reestruturação que a fez progredir em todos os sentidos. Propomos um desafio aos nossos associados que era o de aplicarmos o lucro nesta reestruturação da cooperativa. Foi então que substituímos os tanques de madeiras, adquirimos máquinas, prensas pneumáticas e fomos a primeira vinícola a importar um aparelho chamado Refratômetro, que mede o açúcar da uva. Depois disso, novas parcerias nasceram porque vieram atrás da nossa tecnologia, conta Pasini.

Estratégia possibilitada pela adesão de todos para o resultado que possuem hoje. E novos planos são revelados. As cooperativas São João, Garibaldi, Nova Aliança e Pradense vão se unir para fazer uma concentradora para a produção de suco natural e suco concentrado de uva. Será em São Marcos, em Farroupilha, divulga Pasini.

Este é apenas um exemplo de parceria, mas existem outros, já que a rede de contatos do enólogo é extensa por fazer parte da União Brasileira de Vitivinicultura. Em 2008, Ismar Pasini foi eleito o enólogo do ano.

Produtivididade

A tradição e a qualidade dos produtos de serviços da Cooperativa São João permite um leque de parcerias importantes, sendo com clientes reconhecidos no mercado, como Alberto Belesso, Casa Di Conti, Jurupinga Dinalle, CRS Brands, Vinicola Campestre e NaturaSuc.

Os números também refletem a solidez da São João, fruto da união da mão de obra local e da infraestrutura arrojada. Atualmente, a capacidade de estocagem é de 21.621.000 (21,6 milhões) de litros, sendo 16.512.000 litros na matriz, em Vila Jansen, 2.019.000 litros na filial em Pinto Bandeira e 3.090.000 na filial em Nova Roma.

Além disso, vale-se destacar ainda a quantidade de uva recebida somente no último ano (período 2014-2015), mais de vinte milhões! Segundo dados mais precisos, são 20.607.894 de quilos da fruta. Já imaginou a proporção de espaço e de trabalho gerado?

Mais que mera filosofia, uma realidade

Na contramão dos princípios capitalistas, a união de pessoas com interesses em comum e que trabalham por eles é capaz de gerar resultados sólidos, que podem ser transferidos de geração para geração.

É o que acontece na Cooperativa Vinícola São João, que compete com as grandes empresas privadas em condições muito similares. Por lá, os associados somam esforços para que todos se beneficiem. Isso faz toda a diferença. Que venham mais oito décadas! E outras muitas mais!