“80 anos da libertação”: Auschwitz, Um Silêncio que Fala
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Adroir da Silva
Jornalista/fotógrafo – adroir@gmail.com
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Era frio em 27 de janeiro de 1945 e o gelo que cobria a Polônia parecia carregar o peso de um mundo despedaçado. Quando o Exército Vermelho alcançou os portões de Auschwitz, não encontrou apenas muros e prisioneiros, encontrou o abismo. O maior campo de extermínio nazista, onde mais de 1,1 milhão de vidas foram brutalmente apagadas, escancarava a face mais sombria da humanidade.
O vento que soprava pelos barracões vazios parecia murmurar os gritos que já não podiam ser ouvidos, enquanto o ar carregava o cheiro agridoce de cinzas e desespero. Era o fim de uma era de trevas e o início de uma ferida eterna, uma dor que o tempo jamais será capaz de cicatrizar.
Na entrada, o portão de ferro com a inscrição mentirosa “Arbeit macht frei” (O trabalho liberta) era o prenúncio de um inferno. Corpos magros, como sombras ambulantes, tropeçavam para fora das barracas. Barracões superlotados, câmaras de gás desativadas às pressas e pilhas de objetos pessoais, provas das brutalidades ali cometidas. Dias antes os nazistas tentaram apagar as evidências de seus crimes, deportando milhares de prisioneiros em marchas da morte e destruíram parte das instalações.
No outono de 2022, visitei os campos para um estudo fotográfico sobre a Segunda Guerra Mundial. Caminhar por Auschwitz é enfrentar o peso da história em cada passo. O ar parece diferente, carregado de lembranças e lamentos que ecoam pelo tempo. Ao passar pelos portões de ferro, a sensação é de um aperto profundo no coração, como se o mundo inteiro ali parasse para observar.
Os barracões de madeira, as cercas de arame farpado, as câmaras de gás…cada espaço conta histórias tristes, impossíveis de descrever com palavras. Sapatos, malas, fios de cabelo: pequenos fragmentos que eram vidas, agora são apenas um testemunho sombrio. O silêncio dos campos é assustador, é um silêncio que fala de dor, mas também de resistência, carregado de histórias que o tempo não apagou. É um silêncio que guarda gritos sufocados, lágrimas invisíveis e a ausência que pesa no ar. Cada pedra e cada barracão parecem sussurrar sobre a dor inimaginável que ali existiu.
Auschwitz não é um lugar que se visita, é um lugar que se sente, é um chamado à reflexão. Nesta semana, 80 anos depois do dia da libertação, devemos refletir que, naquele 27 de janeiro, o mundo entendeu o peso de seu fracasso moral. Auschwitz não foi apenas libertado naquele dia, mas se tornou eterno. E a humanidade precisa lembrar de olhar para o abismo que criou e garantir que jamais permita que ele ressurja.



