30 ANOS SEM OSCAR BERTHOLDO
“…sou crepúsculo vindo de longe e por causa do sinal da cruz na fronte, reservo desde o princípio do tempo esse jeito de sofrer mesmo demais: louvado seja o mundo de ternura, amor e mal”
Abrimos a matéria com parte do poema intitulado “Auto Retrato”, escrito pelo padre Oscar Bertholdo. Em 22 de fevereiro completam-se 30 anos de sua morte e como escreveu Antonio Carlos Rushel Gomes em uma vasta edição do Jornal O Farroupilha sobre o poeta, logo depois de sua morte, em 1991, “foi-se o homem, fica o poeta”.
O poeta religioso foi morte com 28 facadas em um assalto em sua casa, localizada na esquina das ruas Luis Busetti e Albino Bender, em Farroupilha. Naquela manhã, depois de voltar do seu programa diário – “Bom Dia Minha Gente”, na Rádio Miriam, o padre seguia sua rotina, na casa onde morava sozinho. Preparava-se para almoçar e a salada já estava lavada sobre a mesa. Atendeu a porta e foi agarrado pelo colarinho, já recebendo o primeiro golpe.
José Carlos Fernandes, o Zé Carioca, e Marcos, o Alemão, que havia trabalhado como pedreiro em uma residência próxima à residência do padre e, portanto, conhecia sua rotina, foram os autores do crime cometido em busca de cheques, ouro e dólares. Na ocasião, dois menores de idade participaram do crime, ficando de vigias enquanto os outros entravam na casa.
Em vez de ouro e dólares, foram levadas algumas peças de roupas, um rádio, uma TV, um aparelho de som e o automóvel Monza, todos artigos recuperados pela polícia. Os assassinos não encontraram o que buscavam e na tentativa de fazer o padre falar, segundo depoimentos dos menores que participaram da ação, o assassinato aconteceu, sem que o padre tivesse reagido.
Aos 56 anos, Oscar Bertholdo foi encontrado amordaçado, amarrado e esfaqueado em um cenário tingido de sangue. A brutalidade marcou a história da cidade e colocou fim à vida do escritor que, segundo relatos, era doce e pacífico.
Obras
Conhecido pelo jeito terno de ser, Bertholdo escrevia poesias que retratavam a colonização italiana, as dificuldades encontradas por quem vivia da terra e da produção do vinho, bebida que diversas vezes era utilizada como metáfora em suas produções literárias.
Não por coincidência, depois de uma revitalização, após processo licitatório, a casa que foi dele abriga, hoje, a sede física da Associação Farroupilhense de Produtores de Vinhos, Espumantes, Sucos e Derivados (Afavin) e da Confraria Feminina do Vinho e Espumante de Farroupilha. Por lá ainda estão expostos alguns pertences pessoais do padre, como sua máquina de escrever.
Foi com ela que o padre poeta tornou-se uma das vozes mais expressivas da poesia da Serra Gaúcha e um dos maiores poetas contemporâneos do Rio Grande do Sul. Seu primeiro livro de poesia – Matrícula – ganhou espaço nas mídias da época, em 1967, e assim vieram outros: : “As Cordas” (168), “O Guardião das Vinhas” (1970), “A Colheita Comum” (1971), “Poemimprovisos” (vencedor do prêmio do Instituto Estadual do Livro/1973), “Lugar” (vencedor do I Concurso Nacional de Literatura da Caixa Econômica de Goiás/1974), “Vinte e Quatro Poemas” (1977), “Árvore & Tempo de Assoalho” (1980), “Informes de Ofício e Outras Novidades” (1982), “Canto de Amor a Farroupilha” (1985), “C’Antigas” (1986) e “Momentos de Intimidade”.
Participou também de inúmeras antologias, entre elas: “Histórias de Vinho”, “Vinho dá Poesia”, “Arte & Poesia” e “Poetas Contemporâneos Brasileiros – Volume 1”.
Depois de sua morte, ainda foram publicados: “Amadas Raízes”, “Poemas Avulsos”, “Boca Chiusa” e “Molho de Chaves”, além de poemas nas seguintes antologias: “Poeta Mostra a Tua Cara – Volume 4”, “Medida Provisória 161”, “Poesía de Brasil – Volume 1”, “Poesía Brasileña para el Nuevo Milenio”, “Poésie Du Brésil – volume 1” e “Poesia do Brasil – volume 1”.
Uma vida voltada às palavras e em homenagem a ela, a Prefeitura de Farroupilha promove, pela organização da Biblioteca Pública Municipal Olavo Bilac, o Concurso Literário de Contos, Crônicas e Poesias que leva o nome do poeta para revelar talentos e incentivar a escrita e a leitura. Em 2020 aconteceu a 18ª edição (confira os nomes dos ganhadores neste conteúdo).
Na Biblioteca Pública as obras do poeta estão à disposição para leitura.
Vida
Natural de Nova Roma do Sul, Oscar Bertholdo nasceu em 15 de julho de 1935. Filho de Pedro João e Delma Menin Bertholdo, era o quarto filho de uma família de seis.
Aos 12 anos ingressou no Seminário Diocesano de Caxias do Sul, onde estudou. Em 1954 iniciou no Seminário Maior de Viamão. Recebeu o presbiterato em três de julho de 1960, aos 25 anos de idade.Em 1961 começou seu apostolado junto ao Santuário de Caravaggio, onde ficou por nove anos, sendo também diretor da Rádio Miriam e professor de educandários farroupilhenses. Em 1970 foi transferido para Bento Gonçalves.
O padre tornou-se referência religiosa e cultural na Serra, tendo sido apresentador de programas de rádio e cronista de jornal em Farroupilha, onde residiu após encerrar a atuação religiosa, em 1980, quando passou a viver da renda de uma herança de família.
Para ele, o ofício de fazer poemas “não nasceu como protesto contra o sofrimento e a alienação existente, mas como necessidade de cantar o mistério do mundo e de si mesmo; a poesia existe como tentativa de descobrir a beleza inédita da palavra comum, fazendo-a menos distraída, para que saiba inquietar”.
Há 30 anos o padre poeta foi morto brutalmente, mas seus escritos viverão para sempre, afinal, como ele mesmo escreveu: “Não se morre ao morrer”.
Fontes: Jornal O Farroupilha/nuhtaradahab.wordpress.com/ farroupilha.rs.gov.br