Amor Atemporal
Simone Milesi é uma relojoeira, acostumada a guiar-se pelo tempo. Aprendeu o ofício ainda menina com o pai Clóvis, ao lado de quem viveu uma grande amizade. Contando um pouco do relacionamento deles, a nossa homenagem a todos os pais que sabem amar seus filhos e a todos os filhos que amam seus pais

Existem amores que são eternos. Aquele entre pais e filhos é um deles. Ter no pai um exemplo a ser seguido é um privilégio que algumas pessoas possuem. Entre elas, Simone Milesi Bondan, a filha do relojoeiro Clóvis, que aprendeu com o pai muito mais que o ofício que pratica até hoje.
Na Rua Júlio de Castilhos, 1001, a arte de consertar relógios começou com o bisavô João, que passou para o filho Fiorindo, que passou para os filhos Nelson, Adílcio e Clóvis. O tio Adilcio transmitiu ao filho Eduardo e Clóvis a Simone. Gerações da Relojoaria Milesi.
Simone cresceu vendo o pai trabalhar. Desde cedo Clóvis soube conquistar a vontade da filha em aprender a função, dizendo que ela poderia estudar o que quisesse, mas se soubesse consertar relógios teria uma profissão para vida toda. Meu pai aprendeu com o pai dele, que desmontava o relógio todinho e pedia para o pai montar. Enquanto não terminasse, não podia brincar. Comigo não foi tão rigoroso, conta a filha única do casal Silvina e Clóvis.
A menina aprendeu e hoje, segundo consta, é uma das poucas relojoeiras do estado. Começou, oficialmente, aos 17 anos. Trabalhou na mesma mesa, ao lado do pai, até ele falecer, há quase seis anos. Éramos muito parceiros! Com ele aprendi não só o ofício, mas valores como a humildade e a bondade. Tratava todo mundo da mesma forma e fazia questão de me dizer que todos mereciam respeito, independente da condição financeira que possuíam. Cheguei a vê-lo tirar o casaco do corpo e dar a quem precisava, conta, saudosa.
A parceria excedia o trabalho. Os dois faziam parte de um grupo de cavalgada, no qual Simone era uma das únicas meninas. Era um pouco filha de todo mundo e meu pai ficava muito orgulhoso. Ele me ensinou a montar e era algo que eu adorava fazer ao lado dele. Havia final de semana que fazíamos 30 quilômetros a cavalo! Depois que ele se foi, montei poucas vezes. Não tem mais graça, mas a paixão foi passada à minha filha Nathália, confessa.
Simone diz que o pai, que gostava de cavalgar, pescar e caçar, aproveitou a vida ao máximo, vivendo intensamente o que ele escolhia fazer. Lição que também deixou a ela.
Emoção
Falando em legado, os valores que recebeu do pai e da mãe Silvina transmite à filha Nathália, 18 anos, fruto do casamento com Eugênio Bondan Júnior. Mas ao contrário dela, a moça não se interessou em aprender o conserto de relógios. Ela cursa Arquitetura e respeito sua vontade, assim como meu pai respeitou a minha. Simone também é formada em Administração.
Bastante séria e focada na conversa, não conseguiu disfarçar a emoção em determinado momento em que as lembranças mexeram com a saudade constante do pai. Minha ligação com ele é eterna. Dentro de mim sei que a separação é temporária e que um dia a gente vai se reencontrar, afirma, provocando em mim uma vontade imensa de abraçar meu pai.
Simone passa grande parte do dia na função de relojoeira e garante que mesmo em tempos de smartphones as pessoas ainda usam muito relógio de pulso.
Aos 43 anos ela pretende dar continuidade aos negócios da família, sem deixar os consertos de lado. Jamais vou deixar a profissão que meu pai me ensinou.
A cadeira ao lado da mesa de trabalho está vazia, mas o coração totalmente preenchido por aquilo que viveu ao lado do grande amigo que chamou de pai.
TEXTO:
CLAUDIA IEMBO