Cheiro e gosto de liberdade

Fumar já foi sinônimo de status, de glamour e de rebeldia. Hoje, quem ainda tem o hábito já não se sente como no passado. Diversas razões cooperam para isso, entre elas o combate ao tabagismo, como a data instituída pela OMS. Para celebrar o Dia Mundial sem Tabaco, histórias de vencedores. Libertaram-se da escravidão do vício!

Vencer um desafio nunca é tarefa fácil! Há quem compre a briga e quem prefira não entrar nela, mas diante das razões de cada um – ou se preferir, diante daquilo que se busca na vida – não há como escapar. É preciso força de vontade, comprometimento. 31 de maio é o Dia Mundial sem Tabaco, instituído pela Organização Mundial da Saúde, em 1987. Para exaltarmos a importância da data, buscamos pessoas que conseguiram se livrar do vício.

Famosos como Juliana Paes e Alinne Moraes encontraram na maternidade o motivo para apagarem de vez seus cigarros. Mas não precisamos procurar tão longe! Pertinho de nós há pessoas que devem servir de exemplo para quem quer abandonar o hábito. Gente de mais idade, como o senhor Santo Zatti e Sueli Perez e outros mais jovens como Anderson Mariano, nosso colega de redação.

Comecemos pela voz da experiência. Santo Zatti, que começou a fumar cigarros de palha em Nova Roma, onde nasceu, aos 10 anos de idade. Morava na colônia e os amigos fumavam, então eu comecei. Lembro que roubava fumo do meu tio e enrolava na palha para fumar escondido, lógico. Depois dos 18 anos, aí eu perdi a vergonha e só parei a quatro anos atrás, conta o senhor que vai completar 79 anos. Fumou por 64!

Parou por quê? Por causa de uma trombose vascular na perna esquerda, gerada pela nicotina. Livrou-se de dois vícios que lhe tiravam a saúde: o cigarro e o álcool. Fiquei 12 dias no hospital e vi que precisava mudar de vida mesmo. Deixei tudo para trás e não me fez falta, orgulha-se o senhor Zatti.

A esposa, dona Maria, auxilia com as informações sem esconder que a mudança na vida familiar foi enorme. Vencer os vícios é como ganhar mais vida. Ele sabe disso!, diz apontando o marido, que ainda complementa que se não tivesse parado, provavelmente não estaria conversando conosco.

Senhor Zatti trabalhou por 32 anos como borracheiro. Teve três filhos e a sorte da companhia de uma mulher de fibra, que não desistiu de vê-lo livre, como está hoje.

Atualmente, é ele quem acorda mais cedo, faz fogo no fogão a lenha, prepara o chimarrão e põe a mesa do café para o conforto de dona Maria. Há quatro anos ele nasceu de novo e nós também, confessa a esposa.

Ao contrário do senhor Zatti, a paulista Sueli não esperou a doença bater à porta. Em 1997, incomodada com a falta de fôlego que atrapalhava sua rotina, procurou um médico acupunturista para auxiliar no abandono ao tabaco. Recordo que na porta do consultório cheguei a fumar quatro cigarros, acendendo um no outro, tamanho desespero que eu sentia pela ideia de ficar sem fumar, conta.

Havia começado com o hábito em uma época em que, segundo ela, era charmoso mulher fumar. Brincadeira entre primos que lhe rendeu uma boa parte da vida presa ao vício. Conseguiu parar com o auxílio citado. Está com 64 anos. Fumou por 27!

Eu acordava no meio da noite para fumar um cigarro. Chegava a fumar 40 cigarros por dia e sofria de pânico em pensar que podia me faltar cigarros. Cada vez que eu pensava em parar de fumar, eu aumentava a dose. Era a primeira e a última coisa que eu fazia no dia, recorda-se.

Na semana em que ela resolveu ser mais forte que o vício, recebeu a notícia de que seu pai, que havia fumado a vida inteira também, estava com câncer de pulmão. Foi o maior motivo para eu me livrar do hábito. Ver meu pai sofrer de uma doença provocada pelo cigarro me fez lamentar não ter parado antes, relata Sueli, que viu o pai falecer no ano seguinte.

O cigarro é uma droga muito potente e eu só constatei isso quando começou meu processo de desintoxicação, no qual eu me sentia um zumbi pela falta da nicotina! Precisei mudar meus hábitos, como evitar cafeína e sair para caminhar logo após as refeições. Passado o primeiro mês, o combate ficou mais fácil, assegura.

Assim como o senhor Zatti, ela acredita que se não tivesse parado, não estaria mais viva.

Mais jovem que nossos entrevistados anteriores, Anderson Mariano também andou pelo mundo da nicotina por oito anos. Desde minha adolescência me percebia como alguém questionador, transgressor e inconformado com uma série de coisas, então fumar foi um ato libertário para mim. Os meus ídolos da adolescência, principalmente do mundo da música, todos fumavam, e isso foi extremamente influenciador, analisa, aos 38 anos.

Entrando na fase adulta, o cigarro fez companhia ao álcool e Anderson, naquela época, entendia que ambos faziam parte do processo da busca de identidade. Muitos dos meus amigos fumavam e pude perceber que era realmente uma escolha de um estilo de vida, nunca vi o cigarro como apenas um vício. Há 10 anos minhas buscas internas de cunho espiritual fizeram com que eu me aproximasse e conhecesse o vegetarianismo. Nessa fase, todos os hábitos sociais como vida noturna, sedentarismo, má alimentação já não me satisfaziam e o primeiro hábito que teve seu corte foi o cigarro, conta.

Mudança total proporcionada pela amplitude de consciência que ele alcançou em sua trajetória: parou com o cigarro, com o álcool e tornou-se vegetariano. Sou eternamente grato ao Universo por tantas bênçãos. E claro, também à minha força de vontade. Não foi difícil, mas a conquista exigiu um despertar físico e espiritual que fiz de forma solitária, declara, feliz por ter encontrado o caminho que o liga à natureza, que tanto respeita.

A lição que fica, com os exemplos que transmitimos, é que cada um de nós enfrentamos nossas batalhas pessoais. Alguns tomam decisões antes que a dor chegue, outros aprendem por vias mais tortuosas, sendo protagonistas de tragédias ou estando muito próximos a elas.

Neste 31 de maio, dois terços da população mundial, segundo a OMS, vão poder celebrar a liberdade de uma vida sem tabaco, a maior causa de morte evitável no planeta. Ao restante, só nos falta torcer para que prevaleça a decisão capaz de lhes garantir o melhor. Torcer e incentivar, como esta nossa intenção aqui.