Ele abraça o mundo com um único braço

Sebastião perdeu o braço em um acidente quando tinha 11 anos. Teve um filho especial. Venceu grandes desafios
para tornar-se um pai e um cidadão exemplar. Com sua história de vida ressaltamos o 11 de outubro, Dia do Deficiente Físico

Claudia Iembo
Especial

Próximo domingo, 11 de outubro, é o Dia do Deficiente Físico. Existem muitos em todos os lugares e às vezes, perto de nós, aquela pessoa que possui uma história capaz de servir de exemplo para outras. Exemplo pela alegria de vencer preconceitos e encontrar beleza onde os demais enxergam problemas. Sebastião Hesper é um deles. A vida forneceu os limões e ele acabou fazendo a limonada.

Natural de Nossa Senhora Aparecida, interior de Soledade, Sebastião foi acostumado desde pequeno a trabalhar na roça, na plantação de milho, fumo, feijão. Cedo, o pai ensinou aos nove filhos a lida no campo. Em um domingo de agosto, o pai pediu a ele que fosse arrumar a terra para as sementes. Sebastião, então com 11 anos, foi atendê-lo ainda de madrugada para que estivesse liberado para a missa dominical das 10 da manhã. Quando estava finalizando a tarefa, senti endurecer a direção do trator e acabou acontecendo o capotamento. Fui atirado ao chão e os discos do trator voaram em cima de mim. Um deles caiu sobre meu braço esquerdo, que não chegou a ser decepado, mas a demora no atendimento não possibilitou o implante, conta Sebastião.

Dos 11 anos em diante, a vida do menino foi transformada. Nunca desanimei por causa do acidente, mas sentia o preconceito dos colegas na época. Cheguei a ouvir o pai de um deles dizer para que o guri não se misturasse a mim, porque aleijado, não teria futuro na vida! Como sempre acreditei em Deus, segui em frente, pois sabia que aquele homem estava errado, recorda-se.

Sebastião ainda trabalhou na lavoura por mais 15 anos e depois disso conseguiu emprego em Farroupilha, onde estava um irmão dele. Ficou por 21 anos na Tramontina. Só saí porque o esforço repetitivo feito com meu único braço resultou em uma Tendinite. Aposentei-me só depois de seis anos e neste período minha família recebeu muita ajuda de parentes e da comunidade, conta.

Família

Em Farroupilha, Sebastião conheceu Olinda. Foi no dia do meu aniversário, 29 de janeiro de 1989. Meu presente!, menciona a esposa, tendo a data na ponta da língua.

Olinda engravidou e durante a gestação contraiu Rubéola. Foi alertada pelos médicos de que o bebê nasceria com vários problemas físicos, mas mesmo assim não cogitou interromper a gestação. Nasceu Deidioilton. Sabia que teria uma criança especial , surda, que ficaria muda e ainda podia ser cega. Só pedi a Deus que me desse a graça de fazer meu filho caminhar. Fui atendida, relata, sorrindo.

Deidioilton comunica-se pela Língua Brasileira de Sinais, Libras, não enxerga de um olho, não fala, fez três cirurgias cardíacas, mas caminha – como a mãe pediu a Deus – e interage com a família, especialmente com Olinda, de quem não desgruda um só minuto. Os médicos disseram que ele viveria no máximo 22 anos e já está com 25!, comemora Olinda.

Eu sempre procurei recursos para a vida dele. Nunca parei no tempo. Batalhei para conseguir os medicamentos que ele toma diariamente e hoje, aposentado e com a mulher trabalhando, a gente está mais estabilizado, diz Sebastião.

Quando Sebastião se aposentou, eu voltei a respirar um pouco, a fazer faxina, a sair mais de casa. Hoje, ele passa mais tempo com o pai, acrescenta a mãe.

Depois da primeira gestação, Olinda engravidou de gêmeos, mas não chegaram a nascer. Como queria mais filhos, fez tratamento e engravidou de Daniel, prestes a completar 16 anos.

Quem vê a família sorrindo, feliz, apesar dos problemas que enfrentam em seu cotidiano, não imagina as barreiras que eles transpuseram para chegar a este ponto. Uma delas foi vencida pela atitude de Sebastião e pela dedicação de Olinda. Eu comecei a beber logo que o Deidioilton nasceu. Trabalhava direitinho, mas chegava em casa e não aguentava a realidade. Fui alcoólatra por 10 anos, até que a empresa me ajudou e uma internação me fez nascer para uma nova vida, conta sem receios de ser julgado, o homem que superou seus desafios.

Eu tinha um filho deficiente, um bebê de um ano e pouquinho e tomava conta de tudo sozinha! Mas Graças a Deus, o Sebastião se curou e devolveu minha felicidade, completa Olinda.

Sebastião está sóbrio há 15 anos e neste tempo provou a si mesmo que seria dono do seu destino. Tornou-se ativo em sua comunidade, faz parte da Associação Municipal dos Deficientes Físicos – AMDEF-, é ministro da Eucaristia da igreja do Bairro América, onde reside, e não pretende ficar parado. Faz tudo em companhia de seu filho Deidioilton. Andam de ônibus, mas estão a caminho de realizar outro sonho: a compra de um carro.

Emocionado por estar rodeado pela família, contando sua história de vida, Sebastião confessa: Estou bem hoje por causa da minha família, da minha esposa que sempre esteve ao meu lado, me apoiando, e por causa dos filhos que Deus me deu. Não reclamo de nada, muito pelo contrário, agradeço tudo que recebi de Deus, inclusive meus dons e talentos.

Sebastião ainda ensina mais. Ser deficiente não é crime. Crime é não fazer as coisas pelos deficientes.

Finalizou, agradecendo nosso interesse pela sua família. Mas na verdade fui eu que agradeci ter a honra de aprender mais com gente tão sábia.