Nos pés das pessoas, o ofício que realiza a família Mandelli

Atendendo no mesmo endereço há 84 anos, a Sapataria Mandelli atravessa gerações. No atual comando: Daniel Mandelli

| Claudia iembo
| Especial

Alguns acreditam em destino, naquela ideia de que existe um plano traçado para nós, independente da nossa própria vontade. Nunca fiquei muito à vontade depositando minha confiança nisso, mas a vida constantemente me faz descobrir pessoas que exemplificam a máxima. Daniel Mandelli olhava para outras direções quando um infarto no pai Onildo Luiz o fez assumir a sapataria iniciada pelo avô, Onildo Mauro. Aos 21 anos, o rapaz iniciava o cumprimento da tarefa de dar continuidade ao negócio de família.

Confesso que tive que assumir a sapataria por uma fatalidade e acabei me apaixonando pela profissão! Sinto um orgulho enorme em poder continuar o que meu avô iniciou, diz Daniel, aos 37 anos.

Ele e o irmão Rodrigo cresceram nas dependências da sapataria. A mãe, Lúcia, conta que aprendeu a costurar com o sogro, que era mudo e surdo e por isso um dos codinomes para o local é a sapataria do mudo. Eu trabalhava na máquina e embalava o carrinho dos guris com o pé! Eles cresceram aqui, acrescenta a mãe.

Daniel cresceu por ali, mas foi trabalhar fora porque naquele tempo não pensava em ser sapateiro. Meu avô tinha esta grande preocupação em saber se o negócio para o qual ele trabalhou tanto iria sobreviver às escolhas dos netos. Ele morreu aos 82 anos, sem saber que eu cuidaria da sapataria, mas todas as noites, em minhas orações, pergunto a ele se está feliz em ver o trabalho que tenho realizado, entrega o moço.

Nestes 16 anos em que ele está à frente da sapataria, muitas mudanças ocorreram, provenientes de sua visão como administrador. Daniel, ao lado do irmão e da mãe, comprou máquinas, expandiu as opções de venda e usou suas características pessoais – como a mania de querer saber o porquê de tudo – para consolidar a preferência da clientela pela qualidade do trabalho que executa.

Nos 84 anos de existência da sapataria Mandelli neste mesmo endereço, o progresso entrou, mas sem tirar o lugar da antiguidade. A porta do estabelecimento ainda é a mesma e a placa de identificação do local já está ali há bastante tempo. Não por acaso. Daniel faz questão de preservar os laços com o passado. Gosto da história da minha família e por isso dou importância a outros pontos, como a qualidade do meu serviço e a satisfação dos meus clientes. Considero minha sapataria uma minifábrica de calçados porque no inverno tenho mais movimento que muita fábrica em Farroupilha. Mesmo assim, logo faremos mudanças no visual, antecipa.

Outra novidade bate à porta da Júlio de Castilhos, 1019: o conserto e criação de roupas. O proprietário contou que contratou um modelista para incrementar ainda mais os negócios da sapataria, que já conta com a venda de cintos, carteiras e bolsas, além do conserto de malas, mochilas, jaquetas e bolas. Faço pesquisa de mercado e sei que minha margem de lucro vai subir com a parte de costura, analisa o moço que passa de 15 a 16 horas por dia em seu negócio próprio.

O herdeiro das técnicas de sapataria da família Mandelli é um dos poucos jovens na profissão e ele mesmo diz que gente da idade dele não quer este ofício. A média de idade dos sapateiros da cidade é de 60, 70 anos e o pessoal mais jovem prefere outro tipo de trabalho, com isso o resultado é que tem muita procura pelo serviço de um sapateiro, mas pouca mão de obra. Não consigo crescer mais só por causa disso, por causa da falta de gente para trabalhar, analisa.

Casado há 12 anos com Keli, o casal acaba de ter Rafael, que está com dois meses, mas não fica de fora dos sonhos do pai. Adoraria que o meu filho continuasse com o trabalho que meu avô começou. Vou ensinar as coisas para ele e vamos ver!, arquiteta o sapateiro.

Dona Lúcia, que ao ouvir falar do primeiro neto iluminou-se, também demonstrou muito orgulho pela trajetória da família e enriqueceu o encontro com lembranças do tempo do sogro. Por ser mudo e surdo, meu sogro não foi para o quartel na época da segunda guerra, mas ele confeccionava bolsas de lona e couro para que os soldados levassem os alimentos. Trabalhava demais e naquele tempo esta casa era de madeira e ele deixava que o pessoal que vinha da colônia com viagem a Porto Alegre amarrasse os cavalos ao lado da casa, recorda-se dona Lúcia.

Daniel Mandelli cuida com dedicação do legado deixado pela família e com seu modo de administrar, cultiva e conquista novos clientes. Pode não ter escolhido a profissão de sapateiro, mas fez dela sua vida e um modo de reverenciar seu pai e seu avô. Destino ou casualidade, ele encontrou seu caminho.