Descansam as tesouras e navalhas de Olímpio Strada

Em 2015 – quando entrevistamos o senhor Olímpio Strada em sua barbearia na Júlio de Castilhos – fazia 59 anos que praticava seu ofício. Nesta semana, as tesouras e navalhas que foram companheiras por tanto tempo, descansaram.
O mais antigo barbeiro de Farroupilha faleceu pouco antes de seu aniversário de 88 anos, em 23 de outubro. De 2015 para cá ele ganhou mais dois netos, o Augusto e a Maria Eduarda, e estava menos ativo devido à pandemia.
Para homenageá-lo, relembramos o bate-papo daquela tarde que passamos conversando, entre um cliente e outro, entre um sorriso nascido de uma história e outra…

Na parede da barbearia, a foto sorridente ao lado do Felipão. “Ele esteve uma vez aqui e só sentou para cortar os cabelos depois que descobriu meu time de coração”, brinca o simpático Olimpio Strada. Fácil adivinhar de qual time se trata, assim como é fácil envolver-se na história dele.
Sr. Strada é cabeleireiro e barbeiro há 59 anos. Nunca quis outra profissão para si, desde que cortava os cabelos dos oito irmãos na colônia onde morava, na linha Amadeo. O pai, quando soube que o filho seria barbeiro, apoiou porque naquele tempo era comum os homens fazerem a barba fora de casa.
Foi para o exército aos 18 anos e no período que passou por lá se candidatou livremente para ser o profissional do salão, onde aprendeu a técnica e teve a certeza de que este seria seu caminho. Aos 81 anos de idade, ele continua ativo e feliz com sua escolha de vida. “Só vou dizer uma coisa: se parar de trabalhar, eu morro”.
Pela cadeira e pelas tesouras do sr. Strada já passaram muitas pessoas ilustres da nossa cidade. De agricultores a juízes. Gente de todo tipo de cultura. “Prefeitos, conheço quase todos e alguns deles ainda são meus clientes”, diz, preferindo não citar nomes.
A discrição é uma de suas características. Prefere ouvir a falar. “Hoje o pessoal já sabe que não discuto política, mas antes, quando sentava um político em minha cadeira, ficava com receio de entrar no assunto. Aprendi a dizer que de política, não entendo nada”, brinca dando uma piscadinha, que entrega mais do que as palavras.
O cabeleireiro, como prefere ser tratado, afinal, “já não se faz mais barba como antigamente”, tem muitas histórias para contar, mas o movimento de clientes interfere sutilmente nas lembranças.
Seu espaço é cenário masculino, segundo ele. Há piadas e conversas típicas de homem, que incluem as discussões políticas e futebol. Aliás, o futebol foi o responsável pela única briga de fato ocorrida na barbearia. “Foi uma pancadaria por causa do Grenal. Chegaram a quebrar um vidro! Eu tentei apartar, mas foi difícil. Depois voltaram e pediram desculpas”, recorda-se, rindo.
Sr. Strada está na Júlio de Castilhos, no centro, há 48 anos. Construiu sua fama de boca em boca e a mantém, trabalhando das 7h30 às 19h ou 20h. “Todos os dias, inclusive aos sábados, quando tem movimento maior. Financeiramente já podia ter parado, afinal conquistei um bom patrimônio, mas os próprios médicos que vêm aqui me dizem para não parar de trabalhar, se quero continuar vivendo”, conta.
Dona Adiles, a esposa com quem está casado há 52 anos, já está acostumada a ficar sozinha, segundo o cabeleireiro. Ela sabe o quanto o marido gosta do que faz e é ela a única cliente feminina do sr. Strada. “Sempre fui eu que cortei os cabelos dela e ela sempre foi bonita, desde que a conheci, em um circo na cidade! Andamos muito de lambreta por estas ruas e chegamos até a capotar uma vez! Eu me ralei todo, mas ela não porque caiu em cima de mim, mas tudo bem porque a gente já era casado”, diverte-se.
Da união nasceram os filhos Marcos Aurélio e Fernando. A única neta, Mariana, mora em Fortaleza com o pai Marcos Aurélio. “Gostaria que você colocasse também os nomes das minhas noras: Kely e Rafaela”, preocupa-se o zeloso sogro.
Sr. Strada esbanja vitalidade, apesar do infarto que o acometeu há 10 anos e o tirou de uma das atividades preferidas: a caçada. “Entrei para um clube e saia para caçar perdiz. Adorava fazer isso e fiz por 30 anos, mas hoje não tenho mais saúde para correr, pular cerca e outras estripulias”, avalia.
A paixão se foi, mas os registros dela estão também na parede de sua barbearia a fornecer a ele a recordação dos bons momentos vividos.
A conversa estava ótima, leve como deve ser quando realizada entre pessoas que gostam do que fazem, mas precisou ser interrompida para dar lugar à movimentação das tesouras. Sr. Strada agradeceu, mas na verdade, fui eu quem saiu agradecida pela oportunidade de compartilhar um pouco de sua história.