“É uma dívida administrável”
Gestor do Hospital Beneficente São Carlos, Francisco Isaías, explica como vem lidando com situação financeira da instituição
Na tarde de quarta-feira, 8, O Farroupilha conversou com Francisco Isaías, que em maio deste ano assumiu a gestão do Hospital Bene ficente São Carlos. Farmacêutico Bioquímico de formação, servidor público estadual concursado e momentaneamente cedido pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul para a prefeitura de Farroupilha, Isaías, além do São Carlos, também administra a Associação Farroupilhense Pró-Saúde. Acompanhe a entrevista onde o gestor ressalta que a única dificuldade enfrentada pela casa de saúde, atualmente, é a financeira, e que a solução do problema passa por uma reengenharia financeira, aliada a eficiência na gestão.
JF- A crise nanceira que o Hospital passa ainda é administrável ou ela chegou a um ponto que não há mais volta?
Sob o ponto de vista do abastecimento de material, insumos e pagamento de trabalhadores vinculados, estamos em dia. Temos alguns atrasos com fornecedores, alguns atrasos e negociações com equipes de prestação de serviços médicos dentro da instituição. Temos uma dívida já orçada que está sendo nalizada, que é bastante importante, mas que não compromete o dia a dia da casa. É uma dívida administrável, estamos trabalhando com horizonte de captação de recursos junto ao mercado nanceiro nacional.
JF- Empréstimos?
Sim, empréstimos, fomentos subsidiados pelo BNDES, pelo Fundo Nacional de Saúde, que é chamado de Caixa Hospitais. Estamos nalizando projetos que estão sendo elaborados desde o início da intervenção do São Carlos. A boa notícia é que estamos na fase de conclusão e já com o horizonte bem objetivo na captação desses recursos que vão fazer frente a essas dívidas e também a manutenção futura do Hospital. Então como você me perguntou se a dívida é suportável, posso dizer que ela será suportável com uma reengenharia administrativa do Hospital.
JF – A intenção é devolver o Hospital em setembro?
A intenção não, o decreto determina isso. Não é uma vontade, isso é uma questão estabelecida. Nossa esquipe está no nível máximo de atuação para que talvez antes de setembro possa ser cerceado o processo de intervenção do São Carlos.
JF – A alta complexidade dá prejuízo de quanto por mês?
Aproximadamente R$ 550 mil por mês.
JF – Hoje o Hospital está atendendo outras cidades da região?
Sim, sob o ponto de vista de urgência e emergência nós não podemos simplesmente desligar da tomada e dizer que não estamos mais fazendo. Nós estamos fazendo, mas já o cializamos a nossa desistência.
JF – Como é feito o atendimento?
Atendimento conservador. A porta do Hospital nunca vai fechar. Estamos fazendo o atendimento do paciente. Estabilizamos a fratura, tiramos a dor, estabilizamos a siologia e este paciente é entregue para a Regulação Estadual que vai achar um lugar onde a cirurgia possa ser feita. Nós nunca fecharemos a porta do Hospital para emergência.
JF – Existe possibilidade de voltar a ser referência em traumatologia para a região?
Total, desde que negociado, e que a despesa fique do tamanho da receita. Nós não faremos mais aventuras. O Hospital está aberto para assumir a referência. Inclusive estamos negociando com municípios que nós tínhamos responsabilidade SUS, para que eles financiem o tamanho do custo que o São Carlos tem para poderem manter seus pacientes aqui. Queremos que paguem a conta real, não a conta fictícia do SUS.
JF- O São Carlos corre o risco de perder a filantropia?
O maior risco que eu encontrei aqui no Hospital foi a iminência da perda da filantropia. Para que todos possam entender, a filantropia é a possibilidade que a Casa mantém de ter descontos nas questões tributárias. Desde 2008 o Hospital vive um risco de perda, porque não foram feitos os relatórios, não foram entregues os documentos de acordo com a Legislação Federal e o São Carlos ao longo desses cinco anos (2008 até 2012) cou à mercê de uma irresponsabilidade administrativa. Esta sim pode ser uma causa determinante para o fechamento do Hospital.
JF – Como isso está sendo tratado?
Hoje eu posso dizer que nós estamos em boa governança na obtenção da lantropia, não obtivemos o título ainda, mas preenchemos todos os pré-requisitos. As falhas que existiam nesse período preenchemos com relatórios, com justi ficativas técnicas, médicas, contábeis e nanceiras. Preenchemos as lacunas documentais do período e estamos na iminência de conseguir o título que nos dá mais cinco anos de filantropia, encaminhado assim o futuro do São Carlos.
JF – Qual o custo mensal do Hospital hoje?
Quando chegamos aqui, em maio, nosso custo era de R$ 3,4 milhões. Hoje já diminuímos mais ou menos 10% a 15% quando comparado a maio.
JF- Qual a meta de redução de custos?
Com todas as ações que estamos fazendo nós devemos chegar a uma redução de aproximadamente 45% do custo original de maio.
JF – Qual era a receita em maio?
A nossa receita em maio estava na casa dos R$ 2,2 milhões, R$ 2,3 milhões, ela utuava.
JF – Então o dé cit passava de R$ 1 milhão ao mês?
Tinha um déficit que variava entre R$ 1 milhão e R$ 1,3 milhão.
JF – O Governo Estadual repassa qual porcentagem do valor que deveria repassar mensalmente?
Na realidade o Hospital nunca se habilitou para todas as possibilidades, capacidades e responsabilidades instaladas. Desde 2008 quando começou assumir a traumatologia, o Hospital nunca se organizou, do ponto de vista econômico financeiro, com o nível de responsabilidade. Em 2008, o Hospital assumiu a responsabilidade de atender Farroupilha e mais 13 municípios da nossa micro área assistencial. Em 2012 se programou para assumir mais esses 33 municípios na alta complexidade, então poderiam já lá em 2008 terem se habilitado a um recurso bem adequado, como não se habilitaram o Estado nem é devedor do município. Nunca foi programado, nunca foi equilibrado a responsabilidade assumida e o custo assumido, então houve um desleixo.
JF – Então hoje o Estado não deve absolutamente nada para o São Carlos?
Hoje o Estado deve para o Hospital a não habilitação como porta de entrada de traumatologia de alta complexidade para 34 municípios, isso desde de 2012. Isso daria um valor mensal de aproximadamente R$ 200 mil do Estado e R$ 100 mil do Governo Federal. Então desde de 2012 eles deixaram de colocar no Hospital aproximadamente R$ 300 mil só para compor a porta de entrada que é uma porta aberta 24 horas.
JF – E isso é culpa do Hospital por não ter feito o procedimento correto lá em 2012?
Lá em 2012 quando assumiu, deveria ter feito. Não fez. Nós precisamos dessa contrapartida estadual e federal para manter a porta, como eles disseram que não têm dinheiro, imediatamente tomamos a decisão: não atenderemos, terminaremos a nossa responsabilidade. Mas essa é uma dívida histórica, não é uma dívida fundada, mas é uma dívida histórica do Estado para com o município.
JF – O que o Estado financia hoje?
Financia um recurso adicional do SAMU pelo Hospital ser porta aberta SAMU e dez leitos psiquiátricos.
JF – Quanto o Estado entrega mensalmente para o hospital em R$?
Hoje R$ 45 mil. Se colocar na ponta do lápis podemos ver que dá pouco mais de 1% do total dos gastos mensais do Hospital.
JF – E como é mantido o resto?
Pelo Teto Federal que se chama Teto da Média e Alta Complexidade e subvenção municipal que é aproximadamente R$ 800 mil por mês. Só que como há um desequilíbrio muito grande entre o assumido e o recebido, isso se exauriu, está terminando a verba de subvenção. Por isso estamos tomando medidas verticais, pois o município já nos avisou que está terminando o orçamento do Hospital São Carlos, e devemos nos ajustar aos recursos remanescentes.
JF – Do total orçado pela prefeitura para 2015, quanto já foi gasto até o momento?
Foi orçado R$ 9 milhões e já foi gasto quase R$ 7 milhões. Resta pouco mais de R$ 2 milhões daqui até o final do ano.
JF – Como o Hospital não terá mais alta complexidade, a estrutura necessária para atender será reduzida. Pode ocorrer corte no quadro de funcionários para diminuir gastos?
Nós estamos trabalhando com reengenharia, nós temos que deixar o Hospital do tamanho da sua receita. Nós não vamos sair com uma guilhotina cortando cabeças. Estamos discutindo internamente, otimizando as fontes e trabalhando na redução de alguns compromissos que o Hospital assumiu num passado recente (muito maiores que sua capacidade econômica). Estamos revendo esses compromissos, inclusive com prestadores, com fornecedores e chegaremos também a uma reavaliação do nosso quadro funcional. Mas não vamos fazer isso de uma forma irresponsável. Trabalharemos com a porta do dialogo aberta com nossos colaboradores. Eles são hoje o grande sustentáculo da atuação do Hospital.
JF – A UCI Neonatal fica pronta até dezembro?
A obra está andando, é prioridade e vai ser entregue o mais breve possível.
JF – Quanto por cento da obra já está concluída?
Mais ou menos 60%.
JF – Ela é viável ou pode acontecer o mesmo problema que aconteceu com a referência em traumatologia?
Ela é um serviço de demanda reprimida no Rio Grande do Sul. Hoje leito de UCI Neonatal é raríssimo. Já conversamos com alguns planos privados que precisam de leitos de neonatais. Então ela servirá para o SUS e para os planos privados de saúde e poderá se transformar numa fonte importante de recursos a médio prazo para o São Carlos.
JF – Como está a relação com os médicos?
Dialogando sempre, é claro que nem todos gostam de algumas ações que estamos tomando, mas estamos em diálogo constante com todos.
JF- Comparado com outros hospitais, como você avalia a situação do São Carlos?
A situação como todos sabem, do ponto de vista econômico, é muito crítica e muito difícil. É importante que todos entendam que esta situação econômica não repercute na qualidade do atendimento. Em pesquisa feita notou-se que a leitura do Hospital é muito positiva. Fui secretário de saúde de municípios pequenos, médios e grandes e posso dizer que o acúmulo dessas experiências de gestão permitem dizer, com o que vi e atuei, que é um dos melhores Hospitais do interior do Estado, com melhor nível de organização e de qualidade dos atendimentos.