“Daqui a pouco o detalhe e o aprendizado vão fazer a diferença”
Em sua passagem pelo Santuário de Caravaggio, Adenor Bacchi, o Tite, passou dicas para o time das Castanheiras conquistar o acesso à elite do futebol gaúcho

Na manhã desta segunda-feira, dia 26, o Santuário de Nossa Senhora de Caravaggio recebeu uma visita especial. Campeão Brasileiro de futebol neste ano treinando a equipe paulista do Corinthians, o gaúcho Adenor Leonardo Bacchi, o Tite, percorreu a pé o trajeto de Caxias do Sul, desde a casa de sua mãe, até o Santuário. Acompanhado da esposa Rose e da filha Gabrieli, Tite saiu de Caxias às 8h30, e retornou de carro, pouco depois do meio dia, quando o filho Matheus foi buscá-los.
Quando questionado se estava pagando uma promessa pela conquista do título brasileiro, Tite preferiu despistar. “Vim agradecer pela paz, por estar com a família, por ter saúde, pelo trabalho também, pela realização, mas lembrando que o aspecto da crença, o aspecto religioso ele é importante para todos nós. Não quero que as pessoas entendam como sinônimo de vitória, mas sim como um agradecimento, além da espiritualidade que eu tenho já há bastante tempo e que todos nós temos de alguma forma. Vim mais para agradecer. Tive um ano especial”.
Segundo Tite, a religiosidade está presente em sua vida desde a infância. “A religiosidade faz parte da cultura aqui na nossa região. E eu sou assim desde os meus tempos não só de atleta mas de garoto também. Me lembro que uma vez vim aqui após um jogo, quando treinava o Caxias. Vencemos uma partida à noite, que valia vaga para o pré-campeonato brasileiro. Vim logo depois que acabou o jogo, isso já era madrugada. Os companheiros de comissão técnica acharam estranho, mas eu disse que se a gente classificasse eu ia para lá logo depois do jogo (risos). Volto a dizer que quando você tem esses quatro pilares: fé, saúde, família e trabalho, você está com a vida legal. Estou feliz, sou um cara abençoado. Tive uma série de dificuldades e procurei aprender com todas elas. Tive a perda recente do meu pai, mas tenho certeza que ele está descansando em paz. Estou muito feliz”.
O caxiense, entretanto, não deixou de falar sobre a importância que a conquista trouxe para sua carreira. “Ganhar um campeonato com alto grau de dificuldade, onde no início dez equipes poderiam ser apontadas tranquilamente como candidatas ao título, mostra que tínhamos um grupo especial, e realizamos um trabalho especial, num momento especial, e que para mim profissionalmente foi muito gratificante”.
Tite também comentou sobre a responsabilidade de treinar um dos times de maior pressão no futebol brasileiro. “É a mesma responsabilidade que eu tinha quando comecei minha carreira no Guarani de Garibaldi. O que muda agora é a visibilidade. Tento manter a naturalidade independente do local onde eu esteja. Mas aparece mais. A mídia é maior, às vezes você tem que atender dez repórteres ao mesmo tempo, a torcida tem uma divulgação muito grande também. Enfim, a mídia do centro do país e as características de um clube como o Corinthians trazem essa dimensão. Mas eu procuro continuar sendo o Tite do mesmo jeito, com as mesmas convicções, com o mesmo trabalho. Mas a visibilidade é diferente”.
Ao falar do agradecimento pela família, o gaúcho lembrou que ela também sofre com a inconstância de sua profissão. “Eu diria que a inconstância de um treinador de futebol é muito grande. As famílias e as pessoas próximas aos técnicos de futebol sabem do que eu estou falando. Daqui a pouco você está trabalhando e daqui a pouco não está mais. Daqui a pouco você está em evidência e daqui a pouco está desempregado. Então a família também convive com isso de uma forma muito forte”.
Com a conquista do brasileirão também veio a classificação corintiana para a Copa Libertadores da América, título que o clube paulista ainda não conquistou em sua história e que o treinador também não possui em sua carreira.
Questionado sobre de quem é a vontade maior de vencer a competição, Tite foi bem humorado em sua resposta.
“Tenho a minha convicção de vencer sim, mas não vencer a qualquer custo. Todas as vitórias e os momentos difíceis que passei na minha carreira não foram ao custo de algo que eu julguei não ser correto, que eu achei que não fosse justo, que eu achei que fosse malandragem do esporte, sacanagem, etc. Isso eu não faço, não sou puritano, sou um cara que erra pra caramba, que peca pra caramba. Apenas olho para trás para tentar reverter aquilo que eu fiz de errado. A vontade de vencer a Libertadores é minha e do Corinthians, sempre foi um desejo dos grandes clubes”.
O caxiense também não escondeu a alegria ao revelar que seu jeito de ser dentro de campo fez com que muitos torcedores de outros clubes o apoiassem na briga pelo título brasileiro. “Quem me conhece sabe das minhas características, jamais faço as coisas para agradar alguém. Tenho essa autenticidade, meu jeito de ser. Às vezes quando me confrontam, engulo sapo para não confrontar, mas tem coisas que eu não gosto e não admito, e quando necessário, bato de frente. De vez em quando sou intransigente, mas no início eu era mais. Já fui até demitido por causa disso. Mas a gente vai aprendendo com o passar da vida. Fiquei muito feliz de ter deixado a minha 'bandeira de trabalho' onde eu estou agora. Recebi o apoio de muitos colorados, gremistas, grenás, juventudistas, palmeirenses, enfim, torcedores de diversos clubes que estavam apoiando esta conquista. Ou seja, a torcida às vezes transcende o clube. Ela parte da pessoa, da conduta, e isso me deixou muito feliz. Seguramente algumas pessoas se identificam com a minha conduta, outras não, mas enfim, sou um cara que procura fazer o bem. Se eu erro não é por sacanagem e nem por premeditação. Vou errar como todo ser humano erra. O Corinthians tem uma característica. Ou você é corintiano ou você torce contra. Não tem simpatizante. Alguns clubes têm simpatia. Por isso eu fiquei feliz, porque muitas pessoas torciam para que eu fosse campeão independente se o Corinthians fosse junto (risos)”.
Questionado se com o título brasileiro acabou a fama de treinador pé frio e vice-campeão, Tite foi direto ao ponto. “Cada degrau que você sobe na carreira sempre vai vir acompanhado de um novo questionamento. Depende muito da ideia. Lembro do Telê Santana quando falavam dele: 'Pô! Ele é pé frio!' Em termos de trabalho foi o maior técnico que eu já vi. Gostava muito de assistir os jogos das equipes que ele treinava. O Tite vai passar desse estágio. Já conquistei algo fantástico na minha carreira de treinador. Fui campeão gaúcho treinando Grêmio, Internacional e Caxias. É muito difícil ser campeão gaúcho por três times diferentes. Na história do nosso futebol não tem outro treinador que conseguiu essa façanha. Então aqui eu tenho o respeito, tenho a qualidade comprovada. Já no centro do país, por ter pego Corinthians, Palmeiras e São Caetano sempre na zona do rebaixamento, eu ia lá como salvador da pátria, mas não tinha a possibilidade de desenvolver um trabalho para ser campeão. Esse ano foi a primeira vez. Teve o trabalho e agora tem o reconhecimento também”.
Sobre o sonho de um dia ser técnico da Seleção Brasileira, o gaúcho prefere despistar. “O sonho agora passa ser a Libertadores da América. Eu nunca pensei em ser técnico de futebol, mas um dia o Guarani de Garibaldi me abriu as portas e eu comecei a minha carreira. É sequência natural. E agora a sequência é a Libertadores. Crescendo as coisas vêm naturalmente”.
Pelo currículo e pela experiência de ter treinado diversas equipes, o caxiense também passou suas dicas para que o Brasil de Farroupilha conquiste o sonhado acesso para a elite do futebol gaúcho. “Para quem não sabe, eu estive na iminência de treinar o Brasil de Farroupilha no início da minha carreira. Acompanhei o trabalho do Reis e posso dizer que foi extraordinário. O Paulo Turra foi meu jogador e sei também da qualidade dele. Estive acompanhando e torcendo pelo Brasil, não só por causa do time, mas também pela cidade e pelas pessoas e amigos que tenho aqui, dos quais eu gosto muito. Eu diria que o Brasil deve manter sempre essa estrutura e manter a persistência. Não deu esse ano, mas daqui a pouco o detalhe e o aprendizado que a equipe tirou podem ajudar a fazer com que tudo dê certo no ano que vem. O importante é seguir com a qualidade desse trabalho. Até porque Farroupilha é uma cidade que gosta do futebol, que tem infraestrutura, tem torcida para isso. Nossa região é próspera para o futebol. Vou continuar torcendo pelo sucesso do Brasil, mas sucesso é sinônimo de trabalho”.
Sobre o futuro de sua carreira e quando questionado se pretende se aposentar treinando um time da Serra Gaúcha, Tite responde em tom bem humorado, mas não descarta a possibilidade. “Estou no melhor momento da minha carreira. Talvez futuramente, quem sabe (risos). Mas seguramente, por ser minha região e por estar perto da minha família provavelmente vou encerrar por aqui”.