História e memórias: O reencontro com o jornal impresso

“O excesso de informação não gera mais sabedoria, mas sim mais incerteza. Educar, hoje, é ajudar a navegar nesse oceano caótico de dados e sentidos.” Bauman*

Texto de Rosana Marina
Professora da Escola Municipal Ângelo Chiele, palestrante sobre os 150 anos da Imigração Italiana no RS
e responsável pela mediação do projeto com o jornal impresso na escola
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Quem não viveu a experiência de esperar uma semana pelo jornal – hábito comum em cidades em que havia apenas uma edição semanal – talvez tenha dificuldade de compreender a ansiedade envolvida nessa espera.
Era uma inquietação que gerava especulações, comentários, tentativas de imaginar os detalhes antes mesmo do jornal chegar às nossas mãos. Muitas vezes, bastava um título para despertar nossa atenção e, dependendo da habilidade do jornalista, nos deixar ainda mais ávidos por mergulhar no conteúdo.

Observar o leitor folheando um jornal já era indicativo de suas paixões e interesses. Havia os que liam toda a edição, os arrebatados pelas páginas de esportes, os que se encantavam com o conteúdo cultural, os que procuravam o obituário. Outros, ainda, folheavam o jornal à procura da própria imagem ou do seu empreendimento, orgulhosos de estarem ali — afinal, ser notícia garantia prestígio na comunidade.
As cidades respiravam o jornal e a recíproca também era verdadeira. O jornal representava autoridade. Nada importante passava despercebido: ele trazia notícias, histórias de vida, conquistas, memórias e destaques locais. Era um meio de comunicação que promovia debates e ajudava, por meio da palavra, a ampliar o entendimento da comunidade e da sociedade – do local para o global.

A lembrança de leitores mergulhados no jornal, com uma xícara de café fumegante ao lado, é um presente afetivo. Havia naquela cena uma sensação de ordem, pertencimento e segurança. Por isso, para mim, o ato de ler jornal representa um lugar da memória que gosto de visitar. E só consigo reencontrá-la quando folheio suas páginas, sinto a textura do papel, o cheiro da tinta e aquele sentimento de conexão!

A conjugação do verbo no passado não diminui sua importância. O jornal continua sendo relevante – o que mudou foi a forma como ele passou a ser percebido. Muitas vezes, falta ponderar sobre o que significa ser contemporâneo. Estar em sintonia com o presente não exige abandonar o passado, mas reconhecê-lo como parte essencial do agora.

O papel do jornal se fortalece justamente nesse diálogo entre o impresso e o digital, entre a tradição e a inovação. Estar alinhado com seu tempo é somar vozes, não silenciar histórias.
Sempre me pareceu essencial proporcionar o encontro com a leitura além do digital – especialmente para quem nunca teve contato com a experiência única de folhear um jornal impresso, sentir seu ritmo, sua materialidade… seu tempo.

E foi justamente essa experiência que os alunos dos 5ºs anos das professoras Daiane Brustolin e Marigeli Dias Manetti, da Escola Municipal Ângelo Chiele, vivenciaram. A atividade integra um projeto em construção que busca aproximar o jornal impresso da escola – compreendendo-o como uma ponte entre o fazer escolar e a comunidade, além de incentivo ao desenvolvimento do hábito da leitura atenta e curiosa.

Por meio do caderno especial dos 150 anos da Imigração Italiana no RS, publicado pelo jornal O Farroupilha, os alunos mergulharam nas histórias da vinda dos imigrantes, suas dificuldades, adaptações, arquitetura, gastronomia e contribuições culturais.

O mais surpreendente foi perceber que, para muitos, aquele era o primeiro contato com um jornal impresso. A reação? Uma mistura de surpresa, curiosidade e encantamento. “Profe, o meu tá solto!”, exclamou um aluno para a professora Daiane Brustolin, estranhando o formato das folhas avulsas do jornal.

“O uso do jornal como ferramenta pedagógica contribui de forma significativa para a aprendizagem dos alunos. Em tempos de tecnologias eletrônicas, faz-se necessário estimular o uso dos materiais impressos e de meios de comunicação já não tão conhecidos e utilizados pelos educandos. O jornal proporciona curiosidade, desenvolve a atenção, o senso crítico e amplia o conhecimento dos alunos por meio dos diversos gêneros textuais que permeiam a leitura jornalística” – Professora Marigeli Dias Manetti

“Foi muito interessante aproximar os alunos da mídia impressa, pois, para nós, pode ser uma coisa muito comum, mas a maioria dos alunos não tinham tido contato com jornal até aquele momento. Eles simplesmente não sabiam como manuseá-lo”, respondeu a professora Daiane, ao ser indagada sobre a reação dos alunos diante do contato com o impresso.

O encantamento dos alunos, manuseando o jornal, se traduzia em olhares atentos, mãos explorando as páginas e perguntas que surgiam a cada descoberta. Quer saber como eles se sentiram? Melhor do que contar, é saber através de suas colocações:

— “Achei legal, uma coisa que eu nunca tinha visto… as folhas são grandes”, contou Matheus dos Santos Kunzler, que até então nunca havia visto um jornal.

— Caroline Bartelle dos Santos, que pensava que jornal e revista eram a mesma coisa, se surpreendeu: “Achei o jornal grandão, gigante, pensei que fosse pequenininho!”. Ela também revelou o que escreveria se tivesse uma coluna: “Curiosidades sobre animais”. Respondendo à pergunta O que é mais divertido: ler no jornal de papel ou na internet, a aluna Caroline deu uma resposta surpreendente: “Ler o jornal de papel, porque eu consigo sentir ele”. A esta mesma pergunta Matheus respondeu: “No papel é mais divertido, porque dá para mexer”

— Antonella Grion, que já conhecia o jornal, se impressionou com a organização e pensou até em algo divertido: “Eu faria uma sessão de piadas!” Embora Antonela tenha se sentido inspirada e informada lendo o jornal, ainda considera que a internet oferece maior praticidade.
A curiosidade não ficou apenas nas mãos dos alunos. As famílias também foram impactadas. Fernanda Bartelle, mãe da Caroline, relatou:

— “Quando perguntei como foi a aula, minha filha comentou sobre o jornal, sobre a história da imigração e como as coisas eram antigamente.” E completou: “É muito importante que as crianças tenham esse contato. Ajuda na leitura, no vocabulário e desperta o interesse pelo que acontece na cidade e no mundo.”
Na mesma sintonia, Greice Grion, mãe da Antonella, reforçou:

— “O contato com o jornal estimula a leitura, a curiosidade, o senso crítico e ajuda as crianças a entenderem melhor o mundo. Aqui em casa, sempre que alguma notícia chama atenção, conversamos sobre ela.”
O que se percebe é que o reencontro com o jornal impresso foi mais que uma atividade — foi uma experiência sensorial, afetiva e formativa. A professora Marigeli Dias Manetti sintetiza:

— “O uso do jornal como ferramenta pedagógica contribui de forma significativa para a aprendizagem dos alunos. Em tempos de tecnologias eletrônicas, faz-se necessário estimular o uso dos materiais impressos e de meios de comunicação já não tão conhecidos e utilizados pelos educandos. O jornal proporciona curiosidade, desenvolve a atenção, o senso crítico e amplia o conhecimento dos alunos por meio dos diversos gêneros textuais que permeiam a leitura jornalística.”

— “A vantagem do jornal é que, além de oferecer uma variedade de gêneros textuais e suas diferentes estruturas, traz temas atuais e da nossa cidade, ou seja, faz parte do meio em que o aluno vive, o que pode permitir debates e reflexões importantes, também utiliza uma linguagem formal, o que falta nas redes sociais em que os adolescentes e até crianças têm acesso”, complementa a professora Daiane.

O depoimento da professora Marigeli, também foi muito elucidativo quanto às sugestões de conteúdo que um jornal poderia explorar para tornar-se mais acessível e interessante para os seus alunos do 5º ano: “O jornal, quando bem explorado em sala, chama muito a atenção dos alunos. É importante preparar esse momento, provocando e estimulando a curiosidade sobre os temas que podem aparecer, como reportagens, entrevistas ou tirinhas. Depois da leitura, é possível propor atividades que tornam tudo mais interessante, como dividir as partes do jornal entre os grupos, fazer debates e até usar o dicionário para entender palavras novas. São muitas as possibilidades que ajudam no aprendizado e tornam essa experiência rica e divertida na escola.”

As colocações das professoras vão ao encontro das ponderações de Bauman “Na era da informação, o desafio não é acessar dados, mas saber o que fazer com eles.” E se alguém ainda duvida de que o jornal tem espaço no mundo contemporâneo, basta propiciar o contato com o impresso e observar os olhos brilhantes dos pequenos leitores. Eles nos lembram que o jornal é uma janela aberta para o mundo – e, sobretudo, uma ponte entre passado, presente e futuro.

“A vantagem do jornal é que, além de oferecer uma variedade de gêneros textuais e suas diferentes estruturas, traz temas atuais e da nossa cidade, ou seja, faz parte do meio em que o aluno vive, o que pode permitir debates e reflexões importantes, também utiliza uma linguagem formal, o que falta nas redes sociais em que os adolescentes e até crianças têm acesso” – Daiane Brustolin, professora.

Zygmunt Bauman foi um sociólogo e pensador social polonês que criou o conceito de “modernidade líquida”, explicando que, na sociedade atual, tudo é instável e passageiro — relações, trabalho e valores —, gerando insegurança e fragilidade nos vínculos humanos. Suas reflexões, embora nascidas na sociologia, dialogam fortemente com a filosofia, a ética e a cultura.